As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012

Há coisas que nunca se esquecem, que ficam gravadas na nossa memoria e no nosso corpo como se fosse ontem. Passei mal com acne durante a adolescência. Tive dias que não sai para a rua para ninguém me ter que olhar para mim, dias em que só me apetecia enfiar um saco de papel na cabeça. A minha mãe, apesar de me ter levado a tudo o que eram dermatologistas e ter gasto uma pequena fortuna em cremes para o meu rosto, também me disse uma vez que eu tinha pele de sapo. Hoje essa frase ecoa na minha cabeça, cada vez que me olho ao espelho. "Tens pele de sapo." E dói como quando tinha 15 anos, e hoje não sai de casa como quando tinha 15 anos, e ainda não percebi bem como uma frase dita uma vez fica connosco durante 15 anos. Mas fica. A nossa memoria é selectiva, e a minha, não sei porquê, nunca se esqueceu disto.

 

 

Mudei de protocolo de quimio. Agora estou a testar o cocktail cetuximab+campto+5FU. Uma pequena bomba. Que de um dia para o outro me deixou a pele neste estado:

 

 

E isto depois de 3 dias a antibiótico oral e mais um produto tópico super potente para aplicar 2x por dia. Enquanto isto não acalmar nem sequer posso pôr base para disfarçar os pontos brancos. Se há coisa que me enerva é olhar-me ao espelho e sentir-me um pequeno monstro. Hesitei antes de pôr aqui uma foto, e até ponderei sobre se havia de escrever este post. Mas é importante que merdas destas sejam levadas a sério. Os efeitos secundários da quimio, sejam eles náuseas, vómitos, diarreias, aftas, borbulhas, queda de cabelo, são para serem levados a sério. E admitir que me afecta mais psicologicamente ter a cara neste estado do que passar uma semana com náuseas faz parte do processo. Porque isto acorda o meu passado, e chama-me traumas que tinha arrumado na gaveta. E essas merdas, para mim, são mais complicadas de lidar do que náuseas ou mesmo a perda de cabelo. Convivo melhor com a minha careca, que exibo sem qualquer embaraço nem vergonha, do que com esta borbulhagem que não tem fim à vista e que impede que me reconheça quando me olho ao espelho.

 

publicado por Silvina às 14:24

Sabes que nunca tinha ouvido falar neste sintoma filho da puta?
E mais filho da puta ainda é termos que lidar com traumas do passado numa altura em que temos que lidar com traumas no presente. Essas frases maternas eram perfeitamente dispensáveis e todos os dias me relembro, com post-its mentais que aquilo que eu digo aos meus filhos é potenciado mil vezes por eles e fica para sempre.
Um grande abraço, Silvina e que isso desapareça tão depressa como chegou.
Ana C a 25 de Outubro de 2012 às 19:53

Na foto tens mesmo ar de menina novinha! E não é pelas borbulhas, a sério :-)
Será possível trocares as voltas aos fantasmas do passado pensando que estás a rejuvenescer, e que depois do acne virão os tempos da pele lisa e macia?
As frases ditas quando somos adolescentes cheios de inseguranças marcam muito. Eu também tenho umas no meu historial. Agora tenho muito cuidado para não ferir a minha filha com algum comentário infeliz.
Uma pequena história a ver se tira a conotação negativa ao "sapo" (para lá do Príncipe Sapo, claro): quando eu era miúda tinha sempre as mãos geladas. O meu pai agarrava nelas, metia-as entre as suas mãos grandes e dizia-me que eu tinha mãos de sapo, por estarem sempre tão frias. Muitos anos mais tarde, era eu quem lhe lembrava essa frase, porque lhe fazia a ele o mesmo, aquecendo nas minhas as suas mãos de doente e inválido. E agora digo o mesmo, por vezes, à minha miúda.
Beijos, menina bonita!
Zu a 25 de Outubro de 2012 às 20:36

Minha Silvine!!!, o meu abraço. Que MERDA teres um historial de acne lá atrás para doer agora nesta acne, que faz parte da luta. Vou torcer para que passe depressa, depressa, depressa.

PS - Tu NÃO estás com cara de sapo. As borbulhas são pequenas e pouco inflamadas. Isso NÃO é cara de sapo, tá bem? Tudo castelos de vento imbecis que construímos, ou as nossas mães fizeram o favor de construir para nós e que levamos pela eternidade afora.
Melissa a 25 de Outubro de 2012 às 21:01

Silvina chérie, subscrevo o comentário da Melissa.

Um beijinho
Susana Neves a 25 de Outubro de 2012 às 21:33

Acho que todos temos "sapos"desses guardados no sótão.

Normalmente não pensamos logo nos efeitos secundários mas como dizes há uns que se gramam melhor do que outros.

Nunca esquecerei, o medicamento que me provocou tamanha erupção na cara que só de olhar, dava vontade de vomitar.
Borbulhas enormes e verdes. Verdes. Que explodiam, literalmente, sem que ninguém lhes tocasse, a qualquer hora, em qualquer lugar! Céus, só de me lembrar, revira-se-me o estômago!
O que apareceu no espaço de uma semana, levou quase dois meses a desaparecer.
Saía para trabalhar, não podia evitar reuniões nem viagens, reduzi a minha vida social a idas a discotecas, era um horror. Nem me quero lembrar. Também não podia usar maquilhagem.
Felizmente quando passou fiquei com pele de rabinho de bebé! :)
Nunca mais ninguém me ouviu queixar de borbulhas solitárias. As tais que toda a maioria das mulheres gostam de aclamar, como se fossem o fim do mundo!

Agora vou mandar o meu sapo novamente para o sotão! lol

Que isso passe mais depressa do que pensas.

Beijinho.


Soneca a 25 de Outubro de 2012 às 21:51

E a Melissa tem razão. A borbulhagem não está feia. Parece seca.
:)
Não alimentes o "sapo"! :)
Soneca a 25 de Outubro de 2012 às 21:58

Esquece lá as borbulhas que isso é mais traumas do passado do que outra coisa :)
E lembra-te dos meus obrigados por conseguires partilhar connosco tudo isto, a força, as esperanças, os "episódios do coranço" (que é dele, do Dr. Lambard???), mas também as angústias, os tratamentos e os acontecimentos menos bons. Porque também fazem parte dos teus dias e para nós são uma grande lição!
Ana a 25 de Outubro de 2012 às 22:48

Querida Silivina,
O meu nome é Maria e leio-te de Phoenix, Arizona (EUA). Já te leio há algum tempo e admiro muito a tua força. A de vontade e a de fazer cada vez mais força. A tua energia e perseverança são admiráveis e eu admiro-te muito. E admiro em especial a tua capacidade para olhar para as pequenas coisas e fazê-las de grandes. Porque às vezes são as pequenas coisas que nos moem, que nos irritam mais. Como se fôssemos capazes de suportar a trovoada mas depois explodíssemos com um murmúrio do vento. Faz parte de sermos mulheres, penso eu de que...
Aqui te deixo um punhado de sorrisos a tomar sem moderação nenhuma. Que as palermas da borbulhas vão para o canário rapidinho!
Maria B a 25 de Outubro de 2012 às 23:38

Esta coisa fez o refresh antes de incluir a minha info. Sorry!
Outro sorriso!
Maria Bê a 25 de Outubro de 2012 às 23:40

Como te percebo..eu acho que já te falei aqui da minha anorexia e há uma frase, dita pela minha mãe quando eu tinha uns treze anos (há sete portanto.), naquela fase normal da adolescência em que o corpo muda e em que eu passei de magrinha para miúda com curvas e dois papos no peito esquisitos, que nunca me esqueci. disse-me "continuas assim e vais ficar uma baleia"..é horrivel, e se ela soubesse o impacto que aquilo ia ter na minha vida nunca o teria dito, obviamente, mas não poderia adivinhar. No entanto, e mesmo sendo minha mãe e perdoando-a, como é lógico, não deixo de achar que ela errou. como acho que a tua mãe errou. As pessoas às vezes sabem que determinada coisa nos magoa e não deixam de o fazer, muitas vezes por pura libertação de frustrações individuais que não conseguem canalizar de outra forma. E quando eu compreendi isso, que aquilo era um problema dela, da cabeça dela, e que as coisas horriveis que às vezes, como se tivesse raiva de mim, me dizia, não tinham nada a ver comigo. eram as inseguranças dela a virem ao de cima. Ainda me magoam, mas não deixo que me paralizem. não deixes tu também. já viste tudo o que já conseguiste ultrapassar? umas borbulhas não são nada. parecem, mas não são. Força Silvina, um abraço.
Inês Barros a 26 de Outubro de 2012 às 00:00

This too shall pass...

E as mães às vezes tinham era de guardar estas pérolas para si!
Não estás nada com pele de sapo e amanhã já vai estar melhor!

se estivesses aqui ao meu lado, dava-te um beijo repenicado na bochecha, sem qualquer problema!

;)
Ana. a 26 de Outubro de 2012 às 00:36



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