As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Segunda-feira, 25 de Outubro de 2010

A minha vida tem sido muito confusa nestes últimos 10 dias. Voltei a Paris, fiz exames, descobri que o cancro reincidiu. A segunda recidiva, curtos 3 meses depois da primeira. Ando a coleccionar tumores. E cicatrizes. às vezes sinto que me estão a testar, para ver se eu aguento. Quem ou porquê, não sei. Por enquanto vou lidando com isto tudo, with a little (huge) help from my friends.

 

O ano passado foi brincadeira de crianças. Andei a brincar ao cancro. Agora estou noutro estádio, mais grave e mais agressivo do que nunca. A minha primeira reacção foi incredulidade, seguida de medo. Mesmo muito medo. Relembrei à velocidade da luz as 3 operação a que fui sujeita, e as 35 sessões de radioterapia -tudo em vão, porque cá está ele mais uma vez, mais rápido e agressivo do que nunca. Repetição. Expludo de raiva desta repetição que não me deixa em paz, que não me deixa viver a minha vida como era suposto, como eu tinha pensado, como eu queria.

 

A partir daqui terei para sempre sequelas graves, mais cicatrizes por todo o corpo, mais radioterapia e a antecipação de dor mais agreste ainda. E no entanto estou (relativamente) tranquila, porque sei exactamente onde me encontro no meio disto. Encaro os próximos meses de sofrimento de cabeça erguida. Apoio-me em quem estará lá comigo, em quem está já comigo, e SEI que vou resistir.

 

E as sequelas transformar-se-ão em memórias, que um dia estarão distantes; e o hábito instalar-se-á como mecanismo de defesa; e eu estarei sempre mais densa e mais forte do que nunca, com todas as mazelas presentes e ausentes, com marcas mais ou menos profundas, com sinais de alarme que descobrem uma estrutura complexa, que é todo o meu ser. E preparo-me para viver a vida como nunca antes a vivi.

 

Hoje tenho muito menos medo de sofrer, aceito com naturalidade que isso é parte da existência, ao jeito Budista desengonçado e pobre em filosofia que me caracteriza.

 

E depois conheci-o. Isso já é um nada que é tudo, sem garantias nem pretensões, sem exclusividades nem falsos pretextos; ele estará comigo também e é tudo.

 

Transformo-me cada dia numa pessoa mais completa, e isso faz parte da jornada, que evidentemente se acelera por causa do cancro. Por causa dele eu progrido, evoluo, aprendo e sossego-me. O cabrão do cancro pode-me foder a vida, mas não me fode a cabeça. Porque isso controlo eu.

publicado por Silvina às 23:20

Domingo, 17 de Outubro de 2010

Passado um mês voltei a ter vontade de escrever aqui. Não sei porque a perdi, mas acho que voltou. Muita coisa aconteceu no ultimo mês, viajei, trabalhei, fui para a praia, estive uma semana de papo para o ar, senti-me bem.

Hoje estou em Paris, viagem prevista há muito, e estadia imposta pelos temidos exames de "rotina". Whatever that means comigo, que este meu cancro tem sido tudo menos rotineiro. Passei no primeiro exame, com os pulmões perfeitinhos. Contudo (lá está, eu disse que não havia cá rotinas), o TAC mostrou uma inflamação na zona esquerda do pescoço. Níveis de stress sobem, enquanto me lembro e me relembram para manter uma ponta de optimismo, que pode não ser nada. Terça-feira terá lugar o tira-teimas, com ressonância magnética e ecografia, seguidos de consulta com o Lambard. Se conseguir sobreviver mais ou menos inteira a esse dia sem ter um enfarte ou coisa que o valha, voltarei, com mais novidades e hopefully, com vontade de escrever mais do que dois ou três parágrafos.

publicado por Silvina às 16:46


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