As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 26 de Junho de 2011

Já está! Hoje foi o dia. Andava há mais de um mês para me inscrever, não sei explicar muito bem o porquê desta inércia. Talvez o motivo principal fosse o medo. Medo de falhar, de não conseguir aguentar, de me sentir mal, de acontecer como há um ano atrás, quando fiz pilates durante dois meses e depois tive uma recidiva.

 

Esta coisa de associar actos normais a acontecimentos excepcionalmente negativos é no fundo a base da formação de traumas. Só há pouco tempo é que percebi isso. O medo do desporto é um desses "traumas", exactamente porque da ultima vez estava associado a um cansaço extremo que depois se veio a revelar ser a primeira recidiva. O medo de viajar é outro desses "traumas", porque depois de uma grande viagem onde até me senti bem lá veio a segunda recidiva. O medo de coisas pelo nariz (tubos, sondas e afins) é outro, porque quando acordei da ultima operação tinha uma sonda nasal sem estar minimamente preparada (sobretudo para o momento de a tirar, quando a enfermeira corta os pontos que a ligam à narina e depois simplesmente puxa -quando sabemos que o tubo vai do nariz ao estômago é um puxar que nunca mais acaba e, mais do que a dor, faz muita confusão. bleghk). E estes são só alguns exemplos. Sei que há mais. Tenho que começar a reparar estas marcas profundas, a decifrar lentamente os sinais que o meu corpo me dá e ter menos medos, fazendo talvez menos associações "perigosas".

 

Hoje foi o primeiro passo. Eu, que antes fazia 2h de artes marciais 4x por semana, hoje fiz 15min de bicicleta. E fiquei contente.


Sexta-feira, 24 de Junho de 2011

 

Ena tantas visitas! Obrigada!

 

[sim, sou um bocado básica no Paint...]

publicado por Silvina às 17:13

Quinta-feira, 23 de Junho de 2011

A nova é ir inscrever-me no ginásio.

 

Ando há 1 mês e 3 semanas a ameaçar. E a dizer "amanhã é que é!".

 

E com toda a convicção, volto a dizer: amanhã vou mesmo!

 

:)

publicado por Silvina às 00:46

Terça-feira, 21 de Junho de 2011

(Um dia) A morte passou-me ao lado

E não me posso queixar senão é pecado

 

"Respira fundo, escapaste de boa"

Dizem-me, esperançosas palavras à toa

 

Não foi ao lado, foi por entre

Como uma lança espetada no ventre

 

Ainda hoje caminho com ela -espetada-

Passos delicados, cabeça rebaixada

 

Sem rumo desenhado, só a seguir em frente

A tentar endireitar-me, a fingir que sou gente

 

Para provar que mereço este ar que respiro

Mas ele suga-me o folgo, como um vampiro

 

   (...)

 

Mas de que serve a vida, se vivida com receio?

Distâncias à parte, não há outro meio

 

Por hoje estou cá, ganhei a batalha

Depois veremos, migalha a migalha.


Segunda-feira, 20 de Junho de 2011

Noutro dia perguntei ao meu médico se eu estaria com algum problema hormonal, uma vez que me emociono com facilidade e choro muito mais facilmente do que antes. Antes chorava tipo uma vez por ano. Agora é se vejo uma flor bonita, se oiço uma música que me toca especialmente, se leio uma frase mais lamechas,... E choro também com fotografias, e com histórias assim. E quando são fotografias destas, com histórias assim, rogo ao S. Pedro para me secar as lágrimas, que caem descontroladas.



é basicamente isto. Apanhei um verdadeiro cagaço de morte. 1 ano e tal depois do meu diagnóstico com carcinoma muco-epidermoide tomei consciência da minha mortalidade e que podia mesmo morrer disto. De cancro. Aos 28 anos.

 

O resultado de ter entrado em remissão há cerca de um mês é que tenho pressa de viver. E não é raro o dia em que pense que devia ter feito mais, e melhor, e que culpabilize, porque sinto que não estou a aproveitar o que devia.

 

Por outro lado, ainda estou em recuperação e há mesmo uma data de coisas que não posso fisicamente fazer ainda, outras que não poderei fazer nunca mais. Se por um lado é preciso ter paciência e dar tempo ao tempo, por outro sinto um fogo no rabo, uma pressa de fazer coisas que me impede por exemplo de dormir, porque sinto que é tempo perdido. Tempo inconsciente, tempo onde estou desligada, parada. E parar é morrer, logo... Pois. Logo, insónias há 4 meses. E frustração constante com os dias que nunca são suficientes, nunca são completamente satisfatórios, nunca chegam.

 

O paradoxo não fica por aqui. Se vou com calma, respeito o meu corpo e o meu novo ritmo, e não me esforço fisicamente o suficiente, acabo por me acomodar à situação e não tento evoluir mais; Se me esforço demasiado, fico ainda mais cansada e ai é que o corpinho dá de si e simplesmente não aguenta. é como na fisioterapia: se se dobra o joelho é bom, e temos que dobrar senão ele não recupera o movimento; mas se dobramos e esticamos muitas vezes e rápido podemos dar cabo das articulações. E esta espécie de equilíbrio é mesmo difícil de atingir.

 

E acaba por me condicionar os planos de trabalho, porque nunca sei se me estou a esforçar demais ou se estou a usar a cancer card para procrastinar.

 

 

Além do esforço vs. cansaço, há ainda outro duo com o qual me confronto todos os dias: o carpe diem vs. planear (ou preocupar-me com) o futuro.

 

Tenho que viver no presente e não projectar a minha vida para o futuro. Porque a verdade nua e crua é que eu só tenho o hoje. O amanhã para mim não existe, e o futuro está hipotecado, pelo menos até passar a barreira dos 5 anos.

 

Como é que se vive no agora com pressa de viver, com limitações físicas, com uma vida desgovernada, incapacitada de sonhar ou de planear o meu trabalho no futuro (trabalho na área de investigação, por isso é mesmo importante planear projectos e objectivos a médio/longo prazo)? Como é que esse agora, nesses termos, pode ser satisfatório (reparem, não ouso dizer "feliz", uma vidinha mediana já me bastaria)?

 

Lutei para viver, não foi para deixar o tempo passar à espera de melhores dias. E viver não é só o contrário de estar morto, como diz a outra, não é só respirar e existir um dia a seguir ao outro; viver tem que ser mais que isto, tem que significar algo, tem que ter um propósito.


Domingo, 19 de Junho de 2011

As vezes até me arrepio ao ler certas noticias, como por exemplo esta (publicada no Portal de Oncologia Português):

 

Identificados factores que apontam probabilidade de cura em terapia de cancro recorrente

Investigadores do Duke Cancer Institute, nos EUA, descobriram uma forma de identificar doentes com cancro de cabeça e pescoço recorrentes que podem beneficiar de doses adicionais de quimioterapia e radioterapia. A descoberta vai evitar que muitos doentes sejam submetidos a intervenções que podem aumentar o sofrimento, não prolongar a vida ou levar à morte, avança o portal ISaúde.

"A segunda fase do tratamento é difícil. Então estávamos a procurar preditores de quem é capaz de se sair bem com essa segunda rodada de tratamento para tentar poupar as pessoas de efeitos secundários desnecessários", disse o autor do estudo, Joseph K. Salama. O cientista e os seus colegas analisaram dados de 166 doentes submetidos a quimioterapia intensiva e radiação para tratar tumores recorrentes.

A segunda rodada de tratamento é potencialmente fatal, mas fornece uma cura de dois anos para cerca de 25% dos pacientes. A equipa identificou quatro características que se correlacionaram com melhores resultados derivados da repetição do tratamento.

Um dos factores mais importantes era saber se os doentes receberam a quimioterapia e a radiação quando os seus tumores apareceram pela primeira vez. Os pacientes que receberam apenas radiação tinham uma probabilidade muito melhor de sobreviver com a segunda a terapia da combinação do que aqueles que recebem radiação e quimioterapia como tratamento primário.

Segundo Salama, pode ser que os tumores recorrentes tenham desenvolvido resistência a partir do curso inicial da quimioterapia, anulando os benefícios do tratamento.

Os pacientes também tinham uma melhor probabilidade de cura com a segunda rodada de tratamento se eles tinham um longo período de remissão antes de o tumor reaparecer; se podiam suportar uma alta dose de radiação durante a repetição da terapia; e se podiam submeter-se a uma cirurgia para remover parte ou a totalidade do novo tumor.

Os resultados foram melhores entre os pacientes que preencheram os quatro critérios, com 63% sobrevivendo por pelo menos dois anos. "O tratamento é potencialmente curativo, mas é bastante tóxico, por isso, quando alguém está embarcando este tratamento, eles precisam ser orientados de forma adequada", disse Salama, observando que a intervenção pode diminuir a qualidade de vida.

De acordo com o cientista, a terapia pode danificar a boca e esófago, e a maioria dos pacientes perdem a capacidade de engolir alimentos sólidos, necessitando de um tubo de alimentação.

A caixa de voz também pode ser danificada, tornando os pacientes mudos. 20% dos pacientes no grupo de estudo morreram como resultado do tratamento. "Podemos escolher quem melhor pode se beneficiar deste tratamento, descoberto isso, precisamos oferecer novas e melhores opções de tratamentos ", disse Salama.

2011-06-15 | 11:58
Expressões como "sobreviveram pelo menos dois anos", "20% dos pacientes no grupo de estudo morreram", "a maioria dos pacientes perdem a capacidade de engolir alimentos sólidos", e sobretudo esta: "A segunda rodada de tratamento é potencialmente fatal, mas fornece uma cura de dois anos para cerca de 25% dos pacientes", são muuuuuuuito assustadoras, quando me revejo nisto e me ponho no lugar destes pacientes.
Portanto, fiz um segundo ciclo de tratamentos, onde 20% das pessoas morrem do tratamento (clássico é pior a emenda que o soneto) e onde só 25% dos casos têm uma cura de dois anos. WTF?! E os outros 75%???? Bye, bye ao fim de dois anos e meio?
A sério, desta vez não me dei ao trabalho de averiguar a origem do estudo nem de ler o abstract e as conclusões, porque às tantas já não quero saber. Já não posso mais ouvir percentagens, estatísticas, que a maioria das pessoas que passaram o que eu passei ficam estropiadas para a vida, e que essa vida dura em média dois anos no máximo. Eu já não consigo quase funcionar no dia-a-dia, não preciso de cábulas para me lembrar que daqui a dois anos posso não estar cá. Enough is enough, merda.
publicado por Silvina às 23:55

Domingo, 12 de Junho de 2011

Cada vez que se fala de cancro e lenços o que vem à memória são imagens de lenços a tapar a cabeça, devido à queda de cabelo provocada pela quimioterapia. Mas no meu caso, o motivo de ter que usar lenços é outro.

 

Sempre adorei lenços, encharpes e sobretudo cheches.

E desde que comecei a ser operada ao pescoço que sou obrigada a usar lenços TODOS os dias, para proteger as cicatrizes do sol (e agora do olhar alheio). Tenho mais de 50 (!!!), mas uso-os sempre da mesma maneira. Mas isso talvez mude, porque hoje descobri este vídeo, seguindo este link que descobri no blog da Eu.

 

publicado por Silvina às 13:45

Sábado, 11 de Junho de 2011

Meti-me num avião low-cost e fui 4 dias a Itália. As minhas primeiras férias desde Setembro, porque para mim férias é quando finalmente posso/consigo desligar do cancro, e tenho saúde suficiente para me bazar de avião. Não foi fácil ter que enfrentar o olhar dos outros quando tentava sorver massa no restaurante, nem quando demorava 1h30 para comer uma pizza com bocados a sair pela boca. Não foi fácil tentar falar italiano, sobretudo porque nem quando falo a minha língua materna me percebem bem. MAS valeu a pena. Fui, descansei, andei kilometros, vi paisagens lindas, e provei a mim própria que consigo viajar sozinha, como dantes. Vi uma menina bonita no comboio e quase que chorei porque ela tinha um pescoço que me fez lembrar o meu há uns tempos, antes de ser massacrado. Tive que me concentrar para expelir a emoção e parar de choramingar o que perdi para sempre. Tenho esse longo caminho pela frente, ter de aceitar que mudei e não me sentir fragilizada por isso. E tomei a decisão de fazer uma cirurgia plástica assim que puder. Não quero que ninguém saiba o que passei só de olhar para mim. Reivindico o privilégio de ser eu, e não o meu pescoço, a contar a minha historia.

publicado por Silvina às 23:42

Quinta-feira, 02 de Junho de 2011

Pois é, há bocado encontrei o seguinte artigo no Diário Digital:

 

quarta-feira, 1 de Junho de 2011 | 15:3
 
Caril pode reduzir doses de quimioterapia


A curumina, encontrada no tempero indiano caril, pode auxiliar pacientes que estão a ser submetidos a quimioterapia para cancro da cabeça e pescoço.

Um estudo desenvolvido na Universidade do Michigan Medical School (EUA) mostrou que quando um composto à base de curumina (FLLL32) foi acrescentado às linhas de células de laboratório de cancros da cabeça e pescoço, foi possível reduzir a dose de cisplatina – um agente usado na quimioterapia - por quatro.

O tempo estimado de esperança de vida para pacientes diagnosticados com cancro da cabeça e pescoço é de 5 anos, sendo que há três décadas não são vistas melhorias nessa previsão. Um dos principais motivos para a reincidência e metástase do cancro nesses casos é que o tumor pode tornar resistente-se à cisplatina.

O autor do estudo, Thomas Carey, é também co-director do programa de oncologia de cabeça e pescoço do Comprehensive Cancer Center. Ele explica que «tipicamente, quando as células se tornam resistentes à cisplatina, temos que dar doses progressivamente mais altas. Mas esse agente é tão tóxico que pacientes que sobrevivem ao tratamento frequentemente vivenciam efeitos colaterais de longo prazo do tratamento».

Carey acredita que o seu estudo pode possibilitar o uso de doses mais baixas e menos tóxicas de cisplatina, atingindo resultados iguais ou melhores de eliminação de tumores, sem oferecer tantos riscos ao paciente.

O estudo foi publicado no Archives of Otolaryngology – Head and Neck Surgery."

 

 

 

Fiquei curiosa, que raio é esta conversa de "tempero indiano caril"? Pesquisei mais um bocadinho e descobri que o artigo era baseado neste artigo, 
"Sensitization of Head and Neck Cancer to Cisplatin Through the Use of a Novel Curcumin Analog", publicado na revista Archives of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, Vol. 137 No. 5, Maio 2011.

As conclusões do estudo foram:


Conclusions  FLLL32 monotherapy induces a potent antitumoreffect and sensitizes cancer cells to cisplatin, permittingan equivalent or improved antitumor effect at lower doses ofcisplatin. Our results suggest that FLLL32 acts by inhibitingSTAT3 phosphorylation, reduced survival signaling, increased susceptibility to apoptosis, and sensitization to cisplatin.

 

Afinal o tal "caril indiano" é na realidade curcumina, ou seja, a curcuma ou açafrão-da-índia, da qual já falei aqui e aqui.

E o estudo conclui que a molécula FLLL32 (curcumina) tem um efeito anti-cancerígeno potente, tornando as células cancerígenas mais sensíveis à cisplatina. Além disso, a curcumina aumenta a susceptibilidade das células cancerígenas cometerem apoptose (morte celular).

Conclusão da Silvina: ponham curcuma no refugado, comam caril indiano, whatever, é bom, barato e não custa nada!



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