As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013

As vezes esqueço-me que os dias passam demasiado depressa, penso que já não escrevo há uns dias e quando dou por ela "uns dias" transformaram-se em duas semanas. Desculpem não dar mais vezes noticias, nem ser mais precisa, e usar o cansaço como desculpa universal. Depois os comentários que recebo com a vossa preocupação abanam-me e sinto-me uma sem vergonha de se passarem 2 semanas e eu caladita que nem um rato. Então cá vão algumas novidades:

 

1. O cansaço é real, não é bem uma desculpa. Ao mínimo esforço o meu querido corpinho aquece e a febre pode rapidamente passar acima dos 38°. Por isso tenho que me impor repouso muitas vezes, e acalmar os anseios e os nervos, beber muita água, e dormir até a febre desaparecer (como foi hoje à tarde, por exemplo).

 

2. Acabei por ficar hospitalizada 15 dias no total. Vim para casa ainda meio abananada, com os músculos todos derretidos, magra, com muitas dificuldades para comer e uma prisão de ventre que ainda hoje me faz companhia. E a tomar morfina. Entretanto fiz mais uma quimio, só de erbitux.

 

3. As dores não dão tréguas. Todos os dias tenho dores, varia é a intensidade.

 

4. Ontem fiz radioterapia às costas. Tenho uma metástase na vértebra L4, que dói como a porra, a puta. A sério, quando alguém vos falar de dores causadas por metástases ósseas façam vénias a essa pessoa, porque a dor é perto de insuportável. Parte boa: a radio foi só uma sessão, agora entrei em compasso de espera: se a dor diminuir nos próximos tempos é porque a radio funcionou.

 

5. Teasing: vi finalmente o Dr Lambard fora do ambiente hospitalar. Bebemos um chá branco de frutos do bosque. Boa conversa, boa companhia. Mas foi só isso, e chegou-me muito bem. :)


Quinta-feira, 07 de Fevereiro de 2013

O tempo nao conta quando nos estendemos numa cama de hospital. Quando sentimos as dores, e sabemos que vieram para ficar, quando fechamos os olhos mas nao conseguimos antever quando sairemos dali. O tempo nao conta, mesmo no conta-gotas do soro e do resto dos produtos que nos injectam. Nao conta quando um cortejo de enfermeiras e médicos  passam por nos, de dia e de noite, quando finjem que nos deixam dormir, quando inventam artimanhas para nos pôr a arrastadeira em vez de nos levarem à casa-de-banho. Agora jà aprendi, digo sempre que nao vou so urinar... é a minha mentirinha diaria, porque tambem ja nao conta a todas as horas a quantidade de sinceridade que trazemos no sangue.

Terça-feira, ultimo dia de Janeiro, fui para as urgencias. Umas horas depois estavam a abrir-me a barriga e a operarem-me furiosamente a um derrame pericardio, a uma peritonite e a um ovario que teve o desplante de se transformar num quisto. Além de novos e longos drenos no peito e no abdomen, sai da mesa do bloco one-ovary-woman. Nao é que pensasse ter filhos com um cancro em estadio 4 e metastases no cerebro, mas agora sei mesmo que nao posso. Sem cinismos, o que me custa mais é o dreno espetado no peito e os 2,3l de liquido que tem la dentro. Uma vez mais nao morri. Ainda nao foi desta, mas as coisas ruins continuam a acontecer, continuam a nao dar treguas. Uma vez mais vi os meus planos a irem por agua abaixo, e a unica coisa que tinha ousado planear este mês a nao acontecer. Porque fui para o hospital, e ali nao ha planos. Ali o tempo nao conta.

(poste em directo do hospital, onde também nao tenho acesso a um teclado com acentos...)
publicado por Silvina às 04:59


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