Tenho inveja das pessoas que seguem as suas vidas sem cancro. Que antecipam as compras de Natal porque sabem que cá vão estar no Natal para as oferecer. Tenho inveja dos casais felizes, do amor que existe sem cancro, das vidas que se constroem. Tenho inveja das férias programadas, do cansaço do final de um dia de trabalho. Tenho inveja daquelas pessoas que fazem planos, que têm sonhos e que sabem que mais tarde ou mais cedo os vão realizar se fizerem por isso. Tenho inveja das pessoas que têm dificuldades na vida, que enfrentam problemas, mas que esses problemas não são cancro. Tenho inveja das pessoas que mantêm as amizades, que regam os afectos, que saem à noite ou se divertem no restaurante sem ter "cancro" sempre presente no fundo do pensamento.
Nunca fui uma pessoa invejosa, mas hoje dou por mim a sê-lo, por vezes, porque hoje sinto aquela tristeza causada pelo cancro que se torna pesada com o passar dos dias. é aquela tristeza que se confunde com o medo, com o sentimento de prisão.
Muito devido à palavra "metástases", ou à expressão composta "metástases no pulmão", que faz com que me sinta já meio morta. E com inveja dos que estão plenamente em vida.