Tenho andado enervada esta semana. Enervei-me na sala de espera, com os técnicos, até com o Lambard. Enervei-me com os atrasos, com o aperto da máscara, com o facto de estar ali deitada, outra vez, naquela marquesa, pela 5a vez. Ontem sai de lá sem conseguir conter as lágrimas dos nervos, e só o pedalar na bicicleta como se não houvesse amanhã me conseguiu acalmar um pouco. Cheguei a casa já arrependida de me ter enervado com o pessoal (apesar de um dos técnicos ter cometido um erro crasso comigo: interromper-me e dizer-me para eu ficar calma, em vez de me ouvir; quanto mais me ordenam para ficar calma, mais eu fico possuída).
Não estou a conseguir pôr-me num right frame of mind para esta radio. Nem sei bem como explicar isto a quem nunca fez radio. é um tratamento que não se vê, não se cheira, não se sente. São protões e electrões, que penetram a pele e restantes tecidos mas os raios em si são completamente invisíveis. Sentem-se, mais tarde, os efeitos secundários chatos, as sequelas que ficam e, se tudo correr bem, ficam também os resultados positivos. Acredito que o corpo, a mente, basicamente a pessoa inteira, tem de aceitar a radiação; tem que estar disposta a recebê-la, tem que de forma um bocado new-age entranhá-la. Não li nenhum artigo cientifico sobre isto, mas pela minha experiência, as coisas correm melhor quando são plenamente aceites. E não tenho conseguido aceitar. Este fim de semana vai ser dedicado a respirar fundo e parar de tentar fugir da minha condição. Travar o medo e ocupar o espírito com algo que é extremamente complicado para mim fazer: confiar. Confiar que esta radio vai funcionar, sem "E se?" Confiar na mestria do Lambard, que está a dar o seu melhor e eu sei disso (e o melhor do Lambard é extremamente bom...). Confiar que algures num dos meus futuros possíveis há aquele sem mais recidivas. E tentar ser eu própria no meio disto tudo. Não me perder nas minhas duvidas e inseguranças, confiar em mim, nos meus instintos, na minha ambição e nos meus objectivos. Tenho que acreditar que tudo é possível, vestir a armadura de Jeanne d'Arc de Lisboa, Tomb Raider ou Robocop, whatever, mas vesti-la, e não baixar os braços nunca. Mesmo quando o caminho não me faz feliz, mesmo quando a estrada me destrói aos poucos, tenho que conseguir acreditar que ainda virá algo de bom na minha vida, dê lá por onde der.
Não sou pessoa de crenças religiosas, não acredito em Deus nem em outros deuses. Se acreditasse esta confiança chamar-se-ia fé; Mas no fundo não interessa nada -a rose by any other name-; em alturas completamente desesperadas, onde estamos completamente à mercê do destino, se não se acreditar é o fim. Acredito nos meus princípios, nos meus valores, acredito em certos traços do meu carácter que sei apreciar, acredito na vida e no sentido das coisas, acredito no poder da Natureza e no Ying e Yang do mundo. Acredito na dor, no sofrimento, na fome e na sede, acredito na lealdade, na liberdade e em ser inteira. Acredito na sensibilidade, na beleza das coisas, na Arte, na música, no sol quando ele me aquece a cara, na poesia e no poder da palavra escrita. Acredito na potencialidade das lágrimas e gostaria de um dia acreditar sem barreiras de segurança no poder do amor e da amizade. Acredito na força interior, na bravura, na coragem. Estou a começar a acreditar que ser frágil e forte ao mesmo tempo não é disparatado nem forçosamente contraditório. E se estas crenças todas não me permitirem arcar com mais esta radioterapia, então não sei o que o que permitirá.