As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Sexta-feira, 23 de Março de 2012

Estou doente há três anos. Já passei por muito. Ainda me sinto confusa com a minha situação, com o corpo que me restou, com a identidade enquanto doente oncológica, com as mazelas psicológicas, com o crescimento (interior) forçado.

 

Ainda esta semana a minha psicóloga me disse que tinha de aprender a viver com uma doença crónica e eu fiquei a olhar para ela com ar ofendido, como se ela me estivesse a subestimar, ou pior, a condenar-me a viver doente o resto da vida. Mas é obvio que ela tem razão.

 

Faz-me espécie a frase "tu vais vencer" ou a variante "tu vais vencer esse bicho". Porque eu não vou vencer nem vou perder. O que eu faço é viver. Ainda melhor no gerúndio: o que eu vou fazendo é ir vivendo...

 

O desafio não é saber se o cancro ainda está cá, ou se já não está cá; Ele pode voltar a qualquer instante, e se por momentos nos sabe bem esquecê-lo, quando lemos noticias destas, rapidamente nos lembramos.

 

A tentação de viver saudável é demasiado grande, demasiado boa, para nos levar a ignorar sinais (como fiz no Verão passado) porque queremos à força continuar a viver na ilusão de ter saúde. Se em Maio entrar em "remissão" não significa que "venci", nem que estou a ganhar. Significa que continua a luta contra um gigante adormecido.

 

O desafio é, então, aceitar. Viver com ele. Domá-lo, e não deixar que ele nos leve a melhor. Que nos tire o sorriso de viver mais um dia que passa. Viver com uma doença crónica é aprender a aceitar as circunstâncias sem estar forçosamente a desistir; é receber o novo corpo como uma dádiva, porque este corpo ainda mexe, ainda respira, ainda me permite fazer coisas que eu gosto -apesar de acordar todos os dias com dor. é reapropriar-me de quem sou e para onde vou. é não deixar de ter sonhos apesar de eles nos poderem ser roubados a qualquer momento. é aceitar a perda de controlo, e viver a vida ao sabor da corrente, como uma pena, leve, levezinha que é levada pelo vento.

 

[frase na minha parede, em francês e não em checo:

"Avoir l'espoir, ce n'est pas croire que les choses vont se produire bien, c'est penser que les choses auront un sens." Vaclav Havel

Que traduzido à bruta para português dá mais ou menos isto: "Ter esperança não é acreditar que as coisas vão necessariamente correr bem, mas sim pensar que as coisas farão sentido"]

 

 

Se é a vida que eu queria viver? Não. Se preferia mil vezes não ter cancro? Claro. Se gostava que os meus êxitos profissionais dependessem só do meu esforço, capacidade de trabalho  e de eu dar o meu melhor? Sem dúvida.

 

O (meu) contexto mudou para sempre. Daqui a uns 3 meses faço 30 anos mas o tempo já não se mede em meses nem anos. Já tenho 30 (e tal) anos há muito tempo. A data vai ser só motivo de festa pela festa. E quando chegar aos 60 faço outra.


"Ter esperança não é acreditar que as coisas vão necessariamente correr bem, mas sim pensar que as coisas farão sentido"

Grande, grande frase. E tu, que continuas com a tua força de sempre, grande mulher.

Susana A.
A Irmã Mais Velha a 23 de Março de 2012 às 17:28

Esta frase atravessou-se varias vezes diante dos meus olhos, na net, em livros que li, muitas vezes no mesmo dia. Por falar em "sinais" que a vida nos dà... ;)
Um beijinho*
Silvina a 26 de Março de 2012 às 15:05



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