As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 22 de Janeiro de 2012

 

Ainda no hospital, uma noite cheia de pesadelos, sonhos, confusão, insónias, reviravoltas e mistura entre sonhos e realidade. Tudo intercalado com o ressonar da velhota com quem partilhava o quarto, e que de vez em quando também se peidava (lovely!). De manhã tinha a sensação de ter levado com uma marreta nos cornos a noite toda. Oh, crap.

No meio desta noite tão terrivelmente peculiar, tive um pensamento me fez sorrir por momentos (foi mais que sorrir, senti uma alegria instantânea e efémera): "os gânglios já eram... neste momento, neste preciso instante, posso estar em remissão!" Claro que eu sei que outras células cancerígenas se devem andar a passear aqui pelo corpinho, mas este momento soube-me pela vida, porque pura e simplesmente me trouxe esperança. A remissão é uma possibilidade. Rara, improvável, como um momento de alegria no meio de uma noite de pesadelos, mas nem por isso menos real. E enquanto eu não me esquecer disto, tout va bien.

 

Dia 21 tive alta. Recorde pessoal e absoluto, nunca tive uma estadia no hospital tão curta e que tivesse corrido tão bem. Até o dreno ajudou à festa, não deu quase liquido nenhum e não doeu horrores quando mo retiraram. Agradeço a todos mais uma vez. Senti mesmo todas as vossas boas energias comigo, estava calma, como não me lembro de ter estado antes de uma intervenção.

 

Fisicamente, correu tudo bem. Psicologicamente nem por isso. Tive noticias muito difíceis de digerir, uma grande desilusão, momentos desesperados por não saber o que se estava a passar com a minha pessoa. A minha pessoa é a minha avó. Que está muito doente no hospital. Eu esforcei-me para sair do hospital o mais rapidamente possível, esforcei-me para comer bem, para dormir bem, para descansar. Mal vejo a hora de me meter num avião e ir ter com ela. De lhe falar baixinho ao ouvido, de lhe dizer que ela é a pessoa que mais amo neste mundo, a pessoa que SEMPRE me apoiou incondicionalmente toda a minha vida, que esteve sempre lá, que sempre me aceitou como eu era sem nunca me tentar mudar nem moldar. Espero ainda ir a tempo de a ver, de lhe poder dizer isto tudo, mesmo que ela já não me oiça como antes. Vou a correr para casa, que para mim é estar ao lado dela.


Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012

Acordei no recobro com algumas dores, mas sobretudo com muito, muito sono. Correu tudo bem, o sono era o reflexo da anestesia forte que levei. Antes de entrar na sala de operações, o Dr Greg veio falar comigo, e só nesse momento é que me lembrei de lhe perguntar como é que ia ser a cicatriz. Ele responde, meio a brincar, "como é que quer?" Eu encolhi os ombros, e pensei "ékkk", porque assim como assim tanto me faz (sim, já cheguei a este ponto). E disse-lhe: "Olhe, faça como achar melhor." Hoje vi-me pela primeira vez ao espelho e tenho uma cicatriz de 15-20cm a descer-me pelo pescoço abaixo...

 

[Um obrigada muito especial a todos os que me mandaram mails, deixaram comentários e pensaram em mim no dia 19. As vossas energias positivas contribuíram para que corresse tudo bem :) ]


Sábado, 14 de Janeiro de 2012

Saí da consulta de Anestesia e fui direitinha para o bar do Hospital. Precisava urgentemente de um café e um donuts. Saquei do telemóvel e comecei a escrever-lhe um mail com as novidades. Sou Lambardodependente e não tenho vergonha disso. Sei que ele está sempre comigo, vai estar sempre comigo, até ao fim. é por isso que o primeiro e-mail é para ele, antes dos telefonemas e das sms. Concentrei-me para narrar tudo como deve de ser e não exprimir muitas emoções. Para além da óbvia, que é o medo (terror?) que sinto por saber que vou ter que ser entubada pelo nariz outra vez.

 

A operação é daqui a uns dias, 5a feira, dia 19. O cirurgião é o do costume (o giraço que tem o poder de me acalmar no bloco operatório e que cada vez que me vê me diz o quão corajosa sou). O objectivo da cirurgia é retirar todos os gânglios linfáticos do lado direito do pescoço. Em francês diz-se curage ganglionnaire. Curage rima com courage (=coragem), como me disse uma amiga. Depois tenho 2 ou 3 semanas para recuperar antes de iniciar um novo ciclo de radioterapia (o quinto!).

 

Para além da presença confirmada de gânglios malignos no TAC, foi também visível uma zona inflamatória que corresponde muito provavelmente a um diagnostico de osteoradionecrose. Nas palavras de um artigo brasileiro, "A osteoradionecrose (ORN) do esqueleto facial é uma das mais sérias e debilitantes complicações que podem ocorrer após radioterapia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço." Cuidado ao clicar no artigo, tem imagens de cirurgias que podem impressionar.

 

Fora isto, os exames não mostraram mais nada no resto do corpo. Não me consigo rejubilar com estas noticias, porque eu só vou ficar contente quando um TAC estiver limpo. Só vou ficar contente quando a vitória for total. Não me contento com meias vitórias, não consigo celebrar nada por enquanto. O copo meio cheio tipo "ai partiste a perna? Ao menos não ficaste paralítica!" não é para mim (não é defeito, é feitio). Não descanso enquanto não ganhar esta guerra.



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