As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Terça-feira, 29 de Maio de 2012

Finalmente, uma boa noticia. Fiquei estarrecida e acho que ainda não baixou em mim toda a alegria desta novidade. Custa-me a digerir o facto que é real, que enfim algo de bom me aconteceu. A ultima vez que tive uma boa noticia relacionada com o cancro foi exactamente há 1 ano e 5 dias.

 

Este gânglio do pescoço, que falei aqui e aqui e que retirei na 6a feira, é afinal...

UM QUISTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

 

Fiquei a olhar para o Lambard e ele para mim, ri-me, ele riu-se, escondi a cara com os braços, ri-me mais, disse-lhe "está a gozar com a minha cara?!" E ele a esforçar-se para ficar sério: "Não! é um quisto!" E eu disse: "Oh que pena, então quer dizer que já não fazemos mais radioterapia?" E ele responde: "Pois, parece que não." E rimo-nos os dois com cumplicidade.

 

é um quisto.

 

Dentro da minha cabeça ainda ecoa "quisto... quistoooo... istoooo...." Não é cancro, não tenho que fazer mais radio no pescoço. Que brutalidade.

 

 

Para a Melissa: Obrigada por acreditares piamente no quisto. Funcionou. Continua a acreditar piamente que o resto também se vai resolver, se faz favor, a gerência agradece! :)

publicado por Silvina às 22:45

Sexta-feira, 25 de Maio de 2012

 

Acabei de ser operada. E o que mais me bateu hoje não foi o regresso ao hospital, nem o ritual de vestir a bata transparente, tirar as jóias, enfiar uns plásticos nos pés e uma touca na cabeça, nem sequer foi ouvir o médico dizer-me que se calhar o que tenho (tinha) no pescoço é mesmo um quisto e não um gânglio. O que mais me bateu hoje foi o facto de ter lido o teu livro antes e depois da cirurgia. Acompanhou-me nesta viagem, na mente, na pele, na maneira de me emocionar com o mundo -mesmo este meu mundo hospitalar. Transportou-me todo o dia, desde o momento em que o abri no metro até acabar de o ler na cafetaria do hospital, rodeada de batas brancas e verdes e pés com socas (acho que são Crocs), já com uma nova cicatriz e novas dores, e um sumo de laranja à frente. A satisfação de sentir algo enorme, maior do que eu, é mil vezes superior à de compreender um conceito metafísico importante ou de fazer uma fantástica descoberta racional. Raramente me tinha sentido assim tão inundada de emoções, e, sobretudo, nunca me lembro de ter gostado. 

 

E devo isso tudo ao teu livro, que escreveste com 25 anos e que pela tua amizade me chegou às mãos na altura certa. E tenho a certeza de que também o li na altura certa. Hoje. Obrigada por estes momentos de profundo sentir, e pelas viagens por Paris, Veneza e Roma. Também as conheci por esta ordem. E no fim, o regresso a Paris e a vontade de regressar a Lisboa. Sinto-me estranhamente em casa.


Quarta-feira, 09 de Maio de 2012

E eu sem nada saber, esperava...

 

Afinal não é um quisto que tenho na garganta. É um novo gânglio. Um cabrão de um gânglio, que vai ter que ser retirado cirurgicamente.

 

Para além deste, tenho outro no mediastino (essa zona tão bonita para se ter cancro, no meio do coração, da aorta e de outros vasos sanguíneos essenciais...). Na mesma zona daquele que apareceu no final de Outubro de 2011 e que decidi não operar. Esse está estável.

 

Resultado: consultas previstas com o cirurgião Otorrino e com o cirurgião torácico, cada um no seu Hospital. Lá vou eu andar a passear em Paris de metro com exames para mostrar à esquerda e à direita. Lá vou eu ter que me preparar não para uma, mas para DUAS cirurgias (é por estas e por outras que concordo a 100% com a Ana C.).

 

É por estas reviravoltas que me custa acreditar em boas noticias, em esperar o melhor. É que comigo, a realidade é sempre má. Depois é só uma questão de intensidade.


Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2012

Parece que estou numa fúria blogueira, é o que dá 5 dias sem acesso à internet. Hoje foi dia de primeira sessão de radio. Digo primeira e já me estou a contorcer de riso por dentro. "Primeira" é um belo eufemismo. Mas eu até nem desgosto de eufemismos, portanto siga. Hoje fiz a mise en place (medições, imagens, mais medições). Estive cerca de 1h30 com a máscara enfiada na cabeça. A coisa só não se processou de pior forma por duas razões: porque eu mandei vir e não me calei enquanto não me cortaram a máscara à volta dos olhos e da boca; e porque o Dr Lambard esteve lá a acompanhar o processo todo. Foi ele que fez os cortes na máscara. Depois puseram-me aquilo e eu percebi que devia parecer um cavaleiro das cruzadas versão século XXI radioactiva. Facto que o querido Lambard confirmou dizendo que eu parecia a Jeanne d'Arc de Lisboa...

 

Um bocado depois disse-me que eu parecia era o Indiana Jones. Eu respondi que me faltavam os acessórios... Ele pensou melhor e disse que eu parecia era o "ai aquela, como é que se chama? O Tomb Raider!" Obrigada Lambard! Antes ágil e mamalhuda do que Indiana sem chicote!

 

 

publicado por Silvina às 23:28

Quarta-feira, 01 de Fevereiro de 2012

"Os outros perseguem os dias e quando apanham algum estão tão esbaforidos que nem conseguem dizer palavra. Você, porém, meu amigo, está simplesmente sentado à janela, e espera; e sempre acontece qualquer coisa a quem espera."

Rainer Maria Rilke, Histórias do bom Deus

publicado por Silvina às 00:14

Domingo, 22 de Janeiro de 2012

 

Ainda no hospital, uma noite cheia de pesadelos, sonhos, confusão, insónias, reviravoltas e mistura entre sonhos e realidade. Tudo intercalado com o ressonar da velhota com quem partilhava o quarto, e que de vez em quando também se peidava (lovely!). De manhã tinha a sensação de ter levado com uma marreta nos cornos a noite toda. Oh, crap.

No meio desta noite tão terrivelmente peculiar, tive um pensamento me fez sorrir por momentos (foi mais que sorrir, senti uma alegria instantânea e efémera): "os gânglios já eram... neste momento, neste preciso instante, posso estar em remissão!" Claro que eu sei que outras células cancerígenas se devem andar a passear aqui pelo corpinho, mas este momento soube-me pela vida, porque pura e simplesmente me trouxe esperança. A remissão é uma possibilidade. Rara, improvável, como um momento de alegria no meio de uma noite de pesadelos, mas nem por isso menos real. E enquanto eu não me esquecer disto, tout va bien.

 

Dia 21 tive alta. Recorde pessoal e absoluto, nunca tive uma estadia no hospital tão curta e que tivesse corrido tão bem. Até o dreno ajudou à festa, não deu quase liquido nenhum e não doeu horrores quando mo retiraram. Agradeço a todos mais uma vez. Senti mesmo todas as vossas boas energias comigo, estava calma, como não me lembro de ter estado antes de uma intervenção.

 

Fisicamente, correu tudo bem. Psicologicamente nem por isso. Tive noticias muito difíceis de digerir, uma grande desilusão, momentos desesperados por não saber o que se estava a passar com a minha pessoa. A minha pessoa é a minha avó. Que está muito doente no hospital. Eu esforcei-me para sair do hospital o mais rapidamente possível, esforcei-me para comer bem, para dormir bem, para descansar. Mal vejo a hora de me meter num avião e ir ter com ela. De lhe falar baixinho ao ouvido, de lhe dizer que ela é a pessoa que mais amo neste mundo, a pessoa que SEMPRE me apoiou incondicionalmente toda a minha vida, que esteve sempre lá, que sempre me aceitou como eu era sem nunca me tentar mudar nem moldar. Espero ainda ir a tempo de a ver, de lhe poder dizer isto tudo, mesmo que ela já não me oiça como antes. Vou a correr para casa, que para mim é estar ao lado dela.


Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012

Acordei no recobro com algumas dores, mas sobretudo com muito, muito sono. Correu tudo bem, o sono era o reflexo da anestesia forte que levei. Antes de entrar na sala de operações, o Dr Greg veio falar comigo, e só nesse momento é que me lembrei de lhe perguntar como é que ia ser a cicatriz. Ele responde, meio a brincar, "como é que quer?" Eu encolhi os ombros, e pensei "ékkk", porque assim como assim tanto me faz (sim, já cheguei a este ponto). E disse-lhe: "Olhe, faça como achar melhor." Hoje vi-me pela primeira vez ao espelho e tenho uma cicatriz de 15-20cm a descer-me pelo pescoço abaixo...

 

[Um obrigada muito especial a todos os que me mandaram mails, deixaram comentários e pensaram em mim no dia 19. As vossas energias positivas contribuíram para que corresse tudo bem :) ]


Sábado, 14 de Janeiro de 2012

Saí da consulta de Anestesia e fui direitinha para o bar do Hospital. Precisava urgentemente de um café e um donuts. Saquei do telemóvel e comecei a escrever-lhe um mail com as novidades. Sou Lambardodependente e não tenho vergonha disso. Sei que ele está sempre comigo, vai estar sempre comigo, até ao fim. é por isso que o primeiro e-mail é para ele, antes dos telefonemas e das sms. Concentrei-me para narrar tudo como deve de ser e não exprimir muitas emoções. Para além da óbvia, que é o medo (terror?) que sinto por saber que vou ter que ser entubada pelo nariz outra vez.

 

A operação é daqui a uns dias, 5a feira, dia 19. O cirurgião é o do costume (o giraço que tem o poder de me acalmar no bloco operatório e que cada vez que me vê me diz o quão corajosa sou). O objectivo da cirurgia é retirar todos os gânglios linfáticos do lado direito do pescoço. Em francês diz-se curage ganglionnaire. Curage rima com courage (=coragem), como me disse uma amiga. Depois tenho 2 ou 3 semanas para recuperar antes de iniciar um novo ciclo de radioterapia (o quinto!).

 

Para além da presença confirmada de gânglios malignos no TAC, foi também visível uma zona inflamatória que corresponde muito provavelmente a um diagnostico de osteoradionecrose. Nas palavras de um artigo brasileiro, "A osteoradionecrose (ORN) do esqueleto facial é uma das mais sérias e debilitantes complicações que podem ocorrer após radioterapia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço." Cuidado ao clicar no artigo, tem imagens de cirurgias que podem impressionar.

 

Fora isto, os exames não mostraram mais nada no resto do corpo. Não me consigo rejubilar com estas noticias, porque eu só vou ficar contente quando um TAC estiver limpo. Só vou ficar contente quando a vitória for total. Não me contento com meias vitórias, não consigo celebrar nada por enquanto. O copo meio cheio tipo "ai partiste a perna? Ao menos não ficaste paralítica!" não é para mim (não é defeito, é feitio). Não descanso enquanto não ganhar esta guerra.


Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2011

Voilà, já está, já estou em casa. Nunca pensei que fosse tão rápido. Levaram-me para o bloco, tirei os brincos, pulseiras e anéis, vesti a bata clássica de bloco com as pantufas e a rede no cabelo e siga para a sala de operações. Desta vez levei as lentes de contacto, o que me permitiu ver tudo ao pormenor ao contrário das outras vezes. Claro que tive que fazer um esforço enorme para não saltar da mesa de operações e desatar a correr dali para fora, mas o Dr. Greg, fofinho como sempre, lá fez umas piadas e acalmou-me os nervos. Desta vez não falou com voz de bebé, mas pouco faltou. Ainda lhe pedi para ele se esmerar e fazer uns pontinhos bonitos, tá bem que são só três, mas isto no pescoço querer-se ligeirinho. Finalmente vi um gânglio ao vivo e a cores, assim que ele o tirou eu pedi logo para ver. Parecia uma pequena pérola branca, olhei-o bem nos olhos (que é como quem diz) e pensei: "só espero que não tenhas cancro, tu também!"

 

Agora é esperar uma semana pelos resultados. E não posso lavar o cabelo durante uma semana... (olá shampoo seco da Klorane!). E esperar que não tenha dores, e realizar que acabei de ser operada (!!!) pela OITAVA vez (!!!).



Quarta-feira, 23:30. Reparo num altinho no lado direito do pescoço. Pensei logo "merda, um gânglio. Here we go again!". Envio mail ao Lambard a dar-lhe parte da descoberta.

 

Quinta-feira, 12h. Consulta com o Lambard. Muitas novidades, muita coisa para gerir (novos exames, quimio, cateter).

 

Sexta-feira, 10:30. Telefonema do Lambard, que por milagre não me acorda. "Pode estar ao meio-dia no hospital X? O cirurgião vai vê-la e em principio opera-a já hoje à tarde com anestesia local". Numa hora comi, tomei banho, arranjei uma mochila com livros, escova de dentes e um par de cuecas (porque nunca se sabe) e voei para o hospital.

 

[Penso naquele sketch dos gatos, onde o RAP imita o Marcelo Rebelo de Sousa a pronunciar-se em relação ao aborto. "Vou ao cinema, ou vou abortar?" Eu acrescentaria: "vou ao cinema, à faca, ou vou antes abortar?".]

 

14:30. Depois de um almocinho rápido na cantina do hospital, que por acaso é aquele cheio de gente gira e jovem, espero que o médico esteja pronto para me receber no bloco. Aparentemente depois da cirurgia posso ir para casa "a correr", disse ele. Há pessoas que vão ao dentista (ou ao cinema); Eu vou tirar gânglios... Depois conto como correu.



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