às vezes pergunto-me se estou a viver bem a vida. Toda a gente diz que não se pode deixar o cancro comandar as nossas vidas, e eu deixei; que tem que se ter outras actividades para além do cancro, e eu não tenho; que não se podem abandonar sonhos e projectos de vida, e eu abandonei.
A minha vida é estar doente. Nada mais restou no meu dia-a-dia. às vezes os dias passam sem fazerem sentido, e eu nem sinto que os vivi. Passaram por mim leve, levemente. E se há coisa que me tortura a mente é dar sentido aos dias, cheios de cancro, dar sentido a esta vida que é a minha, encontrar pequenos momentos felizes mesmo quando passo dias na cama. E não é fácil, para uma pessoa como eu que encontrava sentido nas viagens, no evadir-me, no nomadismo, na liberdade de pedalar por ai fora. Agora estou aqui num interregno onde já não tenho nada disso. Vivo num limbo de dias com cancro, a ser e sentir-me doente e cansada, todos os dias.
às vezes pergunto-me se lá bem no fundo não me transformei também eu em doença, se tenho o cancro dentro de mim ou se ele se confunde comigo.