As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Quarta-feira, 23 de Janeiro de 2013

Na terça fui para o hospital para fazer a oitava cura de Erbitux. Parecendo que não, já vou na oitava, seis meses de quimio non-stop (e sem fim à vista). Dizia eu que fui para o hospital; normalmente fico sempre num quarto individual mas desta vez puseram-me num quarto duplo. Às tantas chega a minha "vizinha", uma rapariga magra, com ar esquisito e andar à pata choca. Fiquei curiosa, mas não meti conversa, porque estava nesse momento a levar com a pré-medicação da quimio (anti-histamínicos), que me deixam quase incapaz de abrir a pestana. Dormi a tarde toda. Quando estava a jantar a minha "vizinha" de quarto pede-me ajuda. Lá me levanto e com os fios todos e a perfusão atrás chego-me à sua beira. Tinha-se vomitado toda. Era vómito branco e espesso por todo o lado, na cama, na cara, nas roupas,... Apanhei a campainha do chão, chamei a enfermeira, ri-me, disse que toda a gente vomita e que não havia problema nenhum, dei-lhe uns guardanapos para ela se limpar, esperei que a enfermeira chegasse, expliquei a situação e bazei dali para fora, antes que fosse eu a chamar o gregório por contaminação e para não a deixar ainda mais envergonhada. Percebi que tinha um tumor cerebral, e que a situação se estava a deteriorar com rapidez.

 

Soube no dia seguinte mais pormenores: que ela tinha 28 anos, que era russa, que vivia em França há 6 anos, sozinha, que a família estava na Rússia. Não a consigo tirar da cabeça, porque o andar à pata-choca e a tontice mental (e vómitos) podia ser eu; ou melhor, posso vir a ser eu. Pensei nas minhas metástases cerebrais que ainda não me dão sintomas, pensei na mistura entre lucidez e tontice que ela demonstrava, no enorme respeito que teve comigo, porque ouvi-a dizer ao médico que estava chateada por ter o nariz entupido e me estar a incomodar com a sua respiração pesada. Não me vou esquecer tão depressa do seu olhar doce que contrastava com a dureza do enfermeiro, que se fartou de ralhar porque ela não se despachava a tomar banho nem a lavar os dentes... "Que bruto de merda", pensei eu. Como se ela tivesse a culpa de estar toda taralhouca, como se por isso merecesse menos respeito. Depois teve o dia todo sem visitas. Amanhã vou fazer o meu melhor para me arrastar até ao hospital e ver como é que ela está. Não quero que ela se sinta sozinha nos momentos de lucidez que tiver. é fodido esta transferência de nós para os outros, de quando nos deixamos tocar pelo sofrimento alheio já não nos conseguirmos abstrair. De certo modo, ela sou eu e eu sou ela.

publicado por Silvina às 22:14

deixaste-me a tremer...
ainda estou a tremer por dentro...
de nervos. de revolta. de raiva pelas injustiças da vida.
(espero que amanhã consigas mesmo lá ir... e transmitir um pouco da tua força...)
1 beijinho de mim para ti Silvina
Monóloga a 23 de Janeiro de 2013 às 22:50

que amanhã tenhas força para ir visitá-la. ninguém merece passar por isso, ninguém merece passar por isso sozinho. este teu blogue é um bálsamo.
RBM a 23 de Janeiro de 2013 às 23:07

Dá-lhe também um beijo meu, daqui, de Portugal. E muito respeito e admiração por ela!

Um beijo também para ti e Deus queira que consigas visitá-la.

Lurdes
Anónimo a 24 de Janeiro de 2013 às 00:10

Sem comentarios, Silvina. Tu não existes mesmo!!!! Mereces tudo de bom que a vida te possa reservar. És um exemplo de coragem e de generosidade que nos comove e nos faz recentrar na nossa precária condição humana. Mas vencer os desafios que a vida nos propõe pode ser "o sal da vida" e, convenhamos, não é para todos. Mas para ti, sim! Coragem tens de sobra e isso deixa-me sem palavras. És um ser humano de excepção, nunca duvides. Desejo muito que o novo ano seja bom para ti, mais leve e mais justo ... bem o mereces!
Mil beijos
fatima P
fatima P a 24 de Janeiro de 2013 às 02:24

Tenho um poço de orgulho de ti, miúda.
Melissa a 24 de Janeiro de 2013 às 08:44

That's my girl.
Ana C a 24 de Janeiro de 2013 às 09:02

Tu capitalizas a palavra 'Mulher'!
Espero que ela também tenha muito para te dar, no meio da taralhouquice - isso é o do melhor que há, sentirmos que temos alguma coisa de especial a dar aos outros que precisam.
Mega-abraço :)
gralha a 24 de Janeiro de 2013 às 09:52

Silvina, és um raio de luz, neste mundo cinzento, em que nos arrastamos.
És linda, linda, linda e,a cada dia, mais te agigantas, como um dos seres humanos mais belos e perfeitos que conheço.
Beijos para ti e para a tua amiga doce.
M.
M. a 24 de Janeiro de 2013 às 10:52

Mais um exemplo da tua coragem e de como és especial! Obrigada***
Dois beijinhos: um para ti e outro para ela!
Ana a 24 de Janeiro de 2013 às 11:34

Daqui vão dois beijos imensos: um para ti e outro para ela ;)

Susana A. a 24 de Janeiro de 2013 às 12:13



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