Cheguei cá há quase duas semanas. Vi o meu médico de família, a dentista jeitosa, fiz uma ressonância magnética e uma ecografia. Comecei lentamente a perceber que as coisas não estavam bem. A ressonância mostrou surpresas, daquelas que não se querem ter, a serem confirmadas pela ecografia feita no dia seguinte. "Tem uns brincos muito giros." "Obrigada." "De nada." Continuo a ter médicos giros e começo a saber responder a elogios com classe e sem corar. Ao menos isso.
A consulta com o meu médico Lambard durou quase uma hora. Ele estudou os exames, as imagens e os relatórios enquanto eu lia Cortázar. Cada um com a sua "cruz". Discutimos as possibilidades, e ele informou-me que tinha que prolongar a minha estadia. Em vez de 15 dias vou cá ficar pelo menos 45. é nisto que o cancro me fode. Tem uma capacidade brutal de me estragar os planos. Ainda balbuciei ao médico que tinha que voltar para Portugal, por causa do trabalho e levei com o olhar do "tenho pena mas nem penses" solidário.
Por isso nos próximos dias tenho marcado um PETscan (um scan de corpo inteiro que parece uma maquina do tempo e que faz-me sempre lembrar o House) e um scan aos pulmões. "Consigo, não vou correr mais riscos." Obrigada pela atenção Lambard, vamos masé scannear-me toda que eu mereço!
E, sem grandes certezas, nem grandes expectativas, decidi parar simultaneamente com a postura optimista e a postura pessimista. Inauguro de aqui em diante uma politica de realismo (e de algum romantismo) em relação ao cancro e aos seus caprichos. A partir de agora declaro confiar nos meus instintos, ouvir o meu corpo e valorizar as interpretações feitas a partir das pistas que disponho. às vezes para perceber qual a imagem que encerra o puzzle não precisamos de ter todas as peças.