5a feira
Acordo de manhã e tenho algo enfiado na garganta. Não desce, não sobe, imóvel. Tenho vontade de pegar num piaçá, enfiá-lo pela boca e esfregar, até que a garganta desentupa. E ter recorrido a uma imagem destas, de WC, só me verifica o desespero. Levanto-me e precipito-me em direcção à casa de banho. Tusso, cuspo, arranha, insiste, aguenta. Lavo os dentes com a minha escova pós-operatória, cuspo mais um bocadinho. Bochecho com um produto frio e vermelho, que ao gargarejar parece que tenho bolas de sabão dentro da boca. Cuspo-me toda, o espelho da casa de banho fica salpicado de manchas vermelhas. Alívio.
Saio de casa, contente e nervosa porque hoje é a consulta semanal com o Lambard. A última consulta semanal. Ele está contente, olha para mim, para os meus olhos com risco preto khol e melancólico, pergunta-me de imediato porque estou triste. "Porque tenho dores", respondo. Hoje é a minha vez de estar mais triste do que tu, Lambard. Faz um esforço para me animar, faz-me rir, observa-me, diz-me que está tudo bem, que o aspecto da minha pele do pescoço está "nickel" (=impecável). E deu-me codeina. Monteeeesss de codeína efervescente.O Lambard é amigo.
6a feira
Penúltimo dia de radio. Dia de enxaqueca. Dia passa rápido, rápido, passa rápido...
Estou mais contente porque é sexta-feira e está a chegar ao fim a rotina, mas ao mesmo tempo intrigada com o simbolismo do "está quase a acabar". Não, não está. A radio sim, as idas e voltas diárias ao hospital, a máscara, eventualmente as dores. Segunda-feira é o ultimo dia. Segunda-feira acaba a radio e eu vou sentir que entrei no limbo. Que agora volto a ter que ter paciência, a ter que esperar, a ter que achar que acabou quando sei que só se vai acabar em 2014. Quero ouvir o Lambard dizer, em 2014, agora é que acabou. Acabou-se o cancro.