Ontem fui a uma consulta de dermatologia. Contei ao médico sobre o meu Carcinoma muco-epidermóide da glândula salivar sub-maxilar, ao que ele responde: "Ah, mas isso é tão raro..." Eu sei, doutor. Já me sinto uma raridade.
Toma Mourinho, embrulha, porque eu é que sou "The Special One".
Ainda tenho efeitos secundários da radioterapia. Ainda tenho o pescocito inchado, ainda me passeio nas ruas da cidade com um duplo-queixo de fazer inveja a muita senhora com mais de 70 anos. De manhã quando me levanto ainda vou imediatamente à casa-de-banho, escarrar porcarias que me sufocam a garganta. Ainda tenho que beber água devagar, porque muitas vezes me engasgo, e cuspo tudo. A dor acalmou imenso, só me visita uma vez por semana, portanto cada vez recorro menos à minha amiga codeína. Comecei a fazer ginástica, para ir exercitando devagarinho estes músculos do pescoço e ombro, que ficaram meios ressequidos depois da radio e das operações. As cicatrizes estão-se a portar bem, como duas meninas ajuizadas que só não gostam é de apanhar sol. O sol é-me proibido este ano. Viva o creme 50 e os lenços charmosos ao pescoço!
Mudei-me há quase um mês. Procurei casa, instalei-me, comprei coisas para a casa, limpei muito e agora cá estou. Estatelada no sofá da minha nova casa. Revi pessoas que já não via há muito tempo e contei a muita gente o que me aconteceu. Lidei com reacções mais ou menos boas, pessoas chocadas ou sem reacção, incrédulas, envergonhadas. Pessoas que não sabiam o que me dizer, que não sabiam lidar com a palavra "cancro". Ainda há muita gente que acha que "cancro" é igual a "sentença de morte". Pois que não. Não é.
Tal como nem toda a gente que tem cancro tem que levar com quimioterapia, e já agora, quimioterapia não é a mesma coisa que radioterapia. Apercebi-me que anda aí muito boa gente mal informada, o que me fez pensar como é que é possível, visto o cancro estar-se a tornar a passos largos a primeira causa de morte em Portugal. E se nem toda a gente que tem cancro morre (graças ao senhor), imaginem o número de pessoas que tem/teve a doença, e o número de pessoas que conhece alguém que tem/teve a doença. E esta gente toda anda mal informada. Por isso, eu, de inicio envergonhada porque não gosto de expor a minha intimidade desta maneira, agora conto a toda a gente que tenho cancro. E espero não ser tratada como vítima, espero que as pessoas percebam que se tem que falar nisto a cru, que o cancro precisa de ser desmistificado e, se possível, gozado. Continuo a fazer piadas de cancro. Rio-me do cancro quase todos os dias. Alivia-me.
...Yet!
Estou em mudanças, algo ocupada com artigos para o lar, burocracias, arrumações e limpezas intensivas.
Assim que tiver um bocadinho actualizo com todas as novidades desta nova mudança.
Cancro-report: Tudo na mesma, o pescoço ainda inchado e algumas dores de garganta, cuja intensidade vai dependendo dos dias. Tenho saudades do meu médico (sem malícia!!!).