Amanhã é dia de ouvir e decidir. De encaixar e perguntar. De confirmar e aceitar.
(trocado por miúdos, cytoponction [PAAF em português acho eu] + consulta com cirurgião = dia em cheio)
Amanhã é dia de ouvir e decidir. De encaixar e perguntar. De confirmar e aceitar.
(trocado por miúdos, cytoponction [PAAF em português acho eu] + consulta com cirurgião = dia em cheio)
Uma coisa complexa em oncologia (ou talvez seja só no meu caso, não sei) é o processo de diagnóstico. Os exames, os resultados, o palavreado médico nos relatórios que acompanham o exame, o compasso de espera, a falta de respostas e o discurso indirecto e cauteloso do tão esperado dia da consulta. Aquilo que deveria vir a seguir, o alivio, quase não o tenho sentido. Porque no meu caso estamos sempre a meio do processo de diagnóstico, ainda falta um outro exame (qualquer) e uma reunião de equipa.
E, antes de me darem o diagnóstico (logo, o tal alivio), ainda levo com uma cirurgia exploratória. Toma lá que já almoçaste. Cirurgia essa que consiste quase sempre em "abrimos para ver" mas no final "tiramos tudo". Depois vai tudo para análise e só no fim -um mês depois- tenho o diagnóstico, que no fundo também se poderia chamar D. Sebastião.
Lá está, eu não sei como é que funcionam os outros cancros, mas será que é sempre assim? Prognósticos só no fim do jogo (como diz o outro)?
Há duas semanas fui fazer este exame. Injectaram-me um preparado de açúcar na veia, que percorreu o meu corpo durante uma hora em que fiquei, sentadinha e coberta com uma manta, num estado quase vegetativo. Depois levaram-me para uma sala fria onde me deparei com este aparelho. Penso muito no House e mando vibes ao universo mas o técnico que me atende não coxeia nem tem aqueles olhos azuis. O exame em si durou 15min, posição confortável, indolor, tudo muito bem.
O resultado é-me estranho; parece que está tudo bem no corpo todo excepto na zona da garganta. Portanto, os resultados da ressonância magnética estão confirmados: tenho "qualquer coisa" de "natureza estranha" por baixo do queixo...
Só para deixar um link informativo muito importante:
http://www.iarc.fr/en/publications/pdfs-online/wcr/
depois clickem em "download"
Isto não tem sido fácil, lidar com o cancro e com a família. Acho que os piores momentos são quando tenho que dar más novidades. Eu, que sou filha, irmã, neta e enteada, tenho sempre que dar notícias a muitas capelinhas, com cuidado e com jeitinho. Porque as pessoas não são de ferro e não rosnam ao cancro como eu, reagem de maneiras muito diferentes. Algumas dessas reacções são das coisas que mais me custam, apesar de saber que não sou eu, mas sim o cancro, o responsável por muitas das lágrimas e olhos molhados com que me deparo.
Ao mesmo tempo irritam-me a lagrimita fácil, o pânico, o medo. Ao pé de mim não, se faz favor. Concentrem-se, esforcem-se, engulam as lágrimas se preciso for, enrijeçam, façam o que têm a fazer para não me despejar o drama para cima. Porque eu é que tenho cancro, eu é que vivo com isso, é a minha vida que ele compromete. O meu sentido egocêntrico apura-se quando penso no cancro e na família. E como cada um tem a sua, há os que sabem lidar com o assunto e os que ainda derivam com velas esfarrapadas. A minha família é de náufragos.
A vida por vezes é isto. Não passa de um compasso de espera, um balançar entre momentos chave, um adiamento de decisões enquanto não se tem todos os ingredientes para partir para outra. A espera da-me cabo dos nervos. Vejo o sono perturbado, o apetite condicionado, a concentração espapaçada, e a pele que piora de dia para dia. Mas é hoje o dia da consulta. Até já tive pesadelos onde me esquecia de levar os exames e o Lambard me dava um raspanete em português e eu só pensava: "traidor, afinal falas português e nunca me disseste nada..."
Hoje estou mesmo ENERVADA com o cancro.
(status dos pulmões: limpinhos e bonitos, comme il faut!)
(amanhã é o PETscan. Medo.)
Cheguei cá há quase duas semanas. Vi o meu médico de família, a dentista jeitosa, fiz uma ressonância magnética e uma ecografia. Comecei lentamente a perceber que as coisas não estavam bem. A ressonância mostrou surpresas, daquelas que não se querem ter, a serem confirmadas pela ecografia feita no dia seguinte. "Tem uns brincos muito giros." "Obrigada." "De nada." Continuo a ter médicos giros e começo a saber responder a elogios com classe e sem corar. Ao menos isso.
A consulta com o meu médico Lambard durou quase uma hora. Ele estudou os exames, as imagens e os relatórios enquanto eu lia Cortázar. Cada um com a sua "cruz". Discutimos as possibilidades, e ele informou-me que tinha que prolongar a minha estadia. Em vez de 15 dias vou cá ficar pelo menos 45. é nisto que o cancro me fode. Tem uma capacidade brutal de me estragar os planos. Ainda balbuciei ao médico que tinha que voltar para Portugal, por causa do trabalho e levei com o olhar do "tenho pena mas nem penses" solidário.
Por isso nos próximos dias tenho marcado um PETscan (um scan de corpo inteiro que parece uma maquina do tempo e que faz-me sempre lembrar o House) e um scan aos pulmões. "Consigo, não vou correr mais riscos." Obrigada pela atenção Lambard, vamos masé scannear-me toda que eu mereço!
E, sem grandes certezas, nem grandes expectativas, decidi parar simultaneamente com a postura optimista e a postura pessimista. Inauguro de aqui em diante uma politica de realismo (e de algum romantismo) em relação ao cancro e aos seus caprichos. A partir de agora declaro confiar nos meus instintos, ouvir o meu corpo e valorizar as interpretações feitas a partir das pistas que disponho. às vezes para perceber qual a imagem que encerra o puzzle não precisamos de ter todas as peças.