As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 02 de Janeiro de 2011

A normalidade está em crise chez Silvina.

Agora o cancro é que manda aqui. Os meus dias são ritmados com horários de tratamentos de radio, enfermeiras, fisioterapia. A minha boca espera com grande esforço pela hora da refeição, que deixou de ser um momento prazeroso para passar a ser um momento forçado, para não perder peso. Passo os dias a pensar no cancro, a ter medo do cancro, a deprimir-me por causa do cancro e dos desgostos que me tem trazido. Penso nas pessoas que ele afastou de mim, nas coisas que deixei de fazer (ou por fazer), nos sítios que deixei de visitar, penso em todos os condicionamentos que me trouxe.

Desde Outubro que não trabalho. Esqueci-me o que é o habito de levantar, vestir, comer, ir para o trabalho. Tenho muita dificuldade em pensar como se faz: Como fazem as pessoas normais que vão trabalhar, que vão à sua vida todos os dias? Como voltar a encontrar uma rotina de trabalho depois de estar meses parada por causa do cancro? Será que esse momento vai chegar? O de voltar ao trabalho? Será que isso vai ser suficiente para me acalmar? Será que "trabalhar" e "retomar a minha vida" me vão satisfazer? Por agora são utopias. O retorno é uma utopia. Depois daquilo que passei não há retorno. Há transformação. Nunca mais vou voltar a ser quem era antes.

Começo o ano em busca de equilíbrio, balanço e busca de um sentido para a minha vida. Não me serve de nada pedir saúde, paz e amor, há anos que não os tenho. Seja lá qual for o meu futuro, o meu destino, quero sentir-me melhor com isso. Quero perder os medos, quero acordar de manhã sem vontade de chorar, quero ver os dias com luz e som, e coloridos todos os dias. Quero a sorte do meu lado. Quero poder escolher. Quero conduzir a minha vida, sem depender de nada nem de ninguém. Quero amar sem me prender, sem me sufocar. Quero ser convencida que sou brutal todos os dias, e que a pessoa que eu escolher para partilhar a minha vida saiba o privilégio que tem e faça tudo para o guardar. Quero perder o medo das coisas finitas, das pessoas que se vão, das coisas que mudam. Quero viajar dentro e fora de mim própria, e que cada novo lugar me traga boas surpresas e descobertas.

Quero que a minha vida seja o mais normal possível, mas uma normalidade que eu possa modificar todos os dias.

publicado por Silvina às 17:39
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Ainda hoje não sei o que se passou. Como se aceleraram as coisas, como se criou esta distância entre nós. E cada vez que penso nisso, cada vez que me dói a pensar nisso, zango-me por não perceber, por não ter chegado lá. Foi o medo? Foi o sentimento que não era suficiente? Foi a minha situação complicada?

Junto com as lágrimas sei que não fiz mal em tentar. Que deitei fora o medo de sofrer, de ser magoada, e decidi ir em frente. Arriscar, porque a vida sem isso não faz sentido. A vida sem amor e partilha não faz sentido. E se para isso é preciso sofrer, então está bem. Esse sofrimento eu aceito.

E agora tento chorar tudo, para da próxima vez também não ter medo. E conseguir voltar a arriscar sem ficar fechada à entrega por mais 10 anos. Voltar a tentar, voltar à vida.

publicado por Silvina às 17:29
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