O que se passa é que há duas semanas descobri que tinha uma metástase no cérebro. O que sempre foi o meu maior pânico, terror mesmo, materializou-se na realidade de umas imagens de uma TAC. Tão claras, que até eu consegui ver logo o pontinho branco no meu cérebro.
Depois a duvida: dado que fiz este exame fora do âmbito do ensaio clínico, será que devo abrir o jogo e ser sincera em relação ao resultado, mesmo correndo o risco (mínimo) de ser rejeitada do dito ensaio? Li a papelada toda, verifiquei na net, em lado nenhum estava marcado "metástase cerebral" como critério de exclusão. Resolvi dizer a verdade, porque é assim que eu sou. Não tenho feitio para grandes embrulhadas e mentiras a este nível. No dia em que ia começar o ensaio pedi para falar com um médico antes. Disse-lhe que tinha uma metástase de cerca de 1cm, sem sintomas. E fui imediatamente expulsa do ensaio. Sai de lá cheia de raiva. Cabrões dos investigadores, puta de metodologia, caralho mais para os laboratórios e as regras (pouco) estritas, que permitem que se jogue assim com a vida das pessoas. A velha de 70 anos com cancro do cólon e metástases no fígado deitada na cama ao meu lado foi aceite. Eu fui para casa de rabinho entre as pernas. A barafustar para dentro "porque que raio é que eu tenho que ser tão honesta?! Devia ter mentido."
O meu médico chéri estava de férias. Fiquei só, a ter que lidar com o meu maior medo, com uma rejeição deste tamanho, com a perspectiva de um tratamento de plano B que não me agradava nada, nadinha.
Estive quase a explodir. Como diz uma amiga minha, quase a dar o tilt. Fugi para Marrocos, para respirar. Resolvi esperar mais uma semana que o meu médico voltasse para poder decidir as coisas com calma. E ter tempo para aceitar.
Comecei ontem a quimio, mas ainda não aceitei.

Estava um dia bonito, o sol aquecia-me as costas e eu caminhava pelos jardins do Hospital. "Ainda posso fugir. Ainda vou a tempo de fugir deste pesadelo...", pensei. Ao mesmo tempo ia caminhando para o café, pedi um café com leite e um donuts com chocolate (a minha ração de combate e ao mesmo tempo um ritual que forjei cada vez que estou num hospital e o momento é delicado). Cabisbaixa caminhei pelo parque outra vez, em direcção ao serviço de oncologia. Não fugi. Não sei porquê, mas não fugi.