A minha vida tem sido muito confusa nestes últimos 10 dias. Voltei a Paris, fiz exames, descobri que o cancro reincidiu. A segunda recidiva, curtos 3 meses depois da primeira. Ando a coleccionar tumores. E cicatrizes. às vezes sinto que me estão a testar, para ver se eu aguento. Quem ou porquê, não sei. Por enquanto vou lidando com isto tudo, with a little (huge) help from my friends.
O ano passado foi brincadeira de crianças. Andei a brincar ao cancro. Agora estou noutro estádio, mais grave e mais agressivo do que nunca. A minha primeira reacção foi incredulidade, seguida de medo. Mesmo muito medo. Relembrei à velocidade da luz as 3 operação a que fui sujeita, e as 35 sessões de radioterapia -tudo em vão, porque cá está ele mais uma vez, mais rápido e agressivo do que nunca. Repetição. Expludo de raiva desta repetição que não me deixa em paz, que não me deixa viver a minha vida como era suposto, como eu tinha pensado, como eu queria.
A partir daqui terei para sempre sequelas graves, mais cicatrizes por todo o corpo, mais radioterapia e a antecipação de dor mais agreste ainda. E no entanto estou (relativamente) tranquila, porque sei exactamente onde me encontro no meio disto. Encaro os próximos meses de sofrimento de cabeça erguida. Apoio-me em quem estará lá comigo, em quem está já comigo, e SEI que vou resistir.
E as sequelas transformar-se-ão em memórias, que um dia estarão distantes; e o hábito instalar-se-á como mecanismo de defesa; e eu estarei sempre mais densa e mais forte do que nunca, com todas as mazelas presentes e ausentes, com marcas mais ou menos profundas, com sinais de alarme que descobrem uma estrutura complexa, que é todo o meu ser. E preparo-me para viver a vida como nunca antes a vivi.
Hoje tenho muito menos medo de sofrer, aceito com naturalidade que isso é parte da existência, ao jeito Budista desengonçado e pobre em filosofia que me caracteriza.
E depois conheci-o. Isso já é um nada que é tudo, sem garantias nem pretensões, sem exclusividades nem falsos pretextos; ele estará comigo também e é tudo.
Transformo-me cada dia numa pessoa mais completa, e isso faz parte da jornada, que evidentemente se acelera por causa do cancro. Por causa dele eu progrido, evoluo, aprendo e sossego-me. O cabrão do cancro pode-me foder a vida, mas não me fode a cabeça. Porque isso controlo eu.