O que me sobra são pequenos nadas, decisões que parecem simples e óbvias mas que se revestem de uma importância desmedida. O poder estar sozinha, mandar naquilo que ainda me é autorizado mandar. O que me resta são pensamentos e força de vontade, egoísmo e imposições aos quais eu tenho direito. Tenho direito a muitas coisas nesta altura. A decidir quem me trata, como me tratam e quem me acompanha. Tenho direito a privilegiar a nata da nata, as pessoas que me sustentam, que me aguentam o barco, que não (me) falham se eu falhar ou fraquejar.
Nunca tive um período tão difícil em toda a minha vida. Tudo foi posto em questão. O porquê de respirar, as minhas limitações, as sequelas e mutilações com que posso ou não viver. Não sacralizo a vida, não vivo a qualquer custo. Isto em teoria. Porque não sei como reagiria se me tirassem o fôlego da boca, se a tal mão invisível me sufocasse. Acho que esperneava, dava uns kicks de taekwondo, e no fim lutaria pelo meu direito a decidir pelo fim que tivesse que ter. Quero acima de tudo poder escolher.
Dia 9 vou ser operada. Vai ser uma coisa brutal, extremamente invasiva, vou ficar (ainda) mais diferente, para sempre. Como bem me relembrou a gaja, diferente não significa mudar para pior. Posso sair disto viva, e melhor pessoa. E os novos episódios de radio que se seguem, acompanhados de 3 episódios de quimio, são basicamente a minha ultima oportunidade. é assim que, com todo o dramatismo que se impõe, declaro guerra aberta ao cancro, e a partir daqui ou vai ou racha. Eu vou ficar rachada. Mas ele vai ter que se ir embora.