As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 07 de Novembro de 2010

Alguém me disse que amanhã começa o meu processo de libertação. é uma ideia interessante, como é que uma acção castradora e limitativa se transforma num instrumento de libertação. Tento expandir ao máximo a minha mente, para abranger todos estes significados escondidos e nada óbvios, todos estes aparentes paradoxos, como estar limitada e livre ao mesmo tempo. Será talvez uma espécie de liberdade condicional, expectante, com comité de avaliação uns tempos depois para ver se eu estou pronta para voltar a viver em sociedade. Nunca mais serei a mesma, nunca mais serei este "eu" de agora, mas sei que depois disto tudo, quando toda a poeira assentar e eu conseguir encaixar-me de novo na sociedade, o meu "eu" também se há-de expandir, e alcançará alturas que nunca imaginei alcançar.

*

Lentamente faço a mala para o hospital: T-shirts largas na gola, casacos com fecho zip, calças de pijama bonitas e confortáveis, casaco de lã que me relembra tempos antigos perto da pós-adolescência, pantufas em forma de botinhas cor-de-laranja. E ainda os produtos de higiene, o meu shampoo preferido e que cheira tão bem vê-se substituído pelo shampoo seco em spray da Klorane, gel duche o mais neutro possível e sem perfume, nada de cremes com cor, nem make-up, nem unhas pintadas. As lentes de contacto ficam na caixinha e em vez disso uso os meus óculos azuis que em certos dias e contextos me dão um ar de secretária lúbrica. Preparo as burocracias: antevejo todos os problemas que possam surgir, coisas que eu tenho que autorizar / assinar/ abençoar antes da entrada no hospital. Porque uma vez naquele mundo branco e desinfectado não há lugar para burocracias, responsabilidades, preocupações mundanas.

*

Tento conjugar o meu realismo racional com um optimismo esperançoso. Não sou gaja de crenças. Não creio porque sim. Preparo, analiso, pondero, intelectualizo mesmo. Mas não é altura para isso, é altura para ouvir o meu lado emotivo, aquele lado que não costumo privilegiar, mas no qual confio muitas vezes. Tenho muito bons instintos. Acima da média, creio. E às vezes, quando rosno ao cancro, é esse lado que me sustenta, que me transporta, que me enche de força descontrolada e avassaladora. Tenho boas hipóteses de ultrapassar isto. Tenho quase tudo alinhado para me sentir forte e invencível.

publicado por Silvina às 12:23

Bora lá rosnar com força. Sempre, sem parar.
Deste lado, fica uma crente que te terá presente nas suas orações.

Vai dando notícias

Beijinhos
Susana Neves a 7 de Novembro de 2010 às 23:38



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