Fui internada dia 28 à tarde. Cheguei, instalei-me e conheci a minha vizinha de quarto, uma senhora de 60 a poucos anos, baixinha, (muito) magrinha, que estava lá também para fazer quimio. Já vai no seu 3° cancro. O primeiro, aos 33 anos, levou-lhe o útero e deixou-lhe uma cicatriz enorme na barriga, como por gestos me demonstrou. O segundo cancro, em 2004, atacou-lhe o osso da cara, mesmo por baixo do olho. A radioterapia deixou-a meia surda e a ver mal e destruiu-lhe a mucosa da boca, e por essa razão só come líquidos há 3 anos. Agora tem um linfoma. São três cancros distintos, que como leões esfomeados que insistem em lhe devorar o corpo fragilizado. Com um ar triste, um encolher de ombros e um ligeiro suspiro explica-me que o seu pai, mãe e alguns tios morreram de cancro. Que tem 4 irmãos e até hoje nenhum ficou doente. Foram todos para ela. O cancro tornou-se o seu destino, e do alto do seu corpo enfezado anda a resistir-lhe há mais de 30 anos.