Cortei o cabelo e sinto-me gira. Importa também mencionar que já não o lavava há 10 dias, desde que a minha mãe me levou ao cabeleireiro na véspera de natal para mimos de lavagem e manicure.
Não posso esconder os inchaços nem as cicatrizes. Não posso disfarçar que coxeio (a muleta desmascara-me em 2 segundos), nem que tenho pele falsa e amarelada na cara (e com pêlos, embora mais curtos, porque decidi finalmente perder o medo e apará-los).
Mas posso cuidar de mim. Nas coisas que parecem fúteis e supérfluas, como unhas e cabelo, escondo outras façanhas, como reservar tempo para estar sozinha, para pensar, para escrever, para relaxar. Tempo precioso, a partir de agora um fim-de-semana inteiro, que me permite fazer um balanço da semana que passou, dos tratamentos, dos efeitos secundários, das partidas da vida, e preparar-me para a semana seguinte. Para que nunca mais sinta a carruagem à frente dos bois, e os acontecimentos a sucederem-se numa velocidade descontrolada, e eu perdida, a tentar ir atrás de tudo mas a ser ultrapassada pelas circunstâncias avassaladoras. Uso esse tempo para relativizar as coisas, compensar a minha tristeza, renovar energias.
Acho que a chave para lutar contra o cancro é renovação. Porque tudo se esgota, a paciência, a coragem, a força, a resistência, a esperança, os pensamentos positivos, o optimismo, o apoio dos outros, a nossa força vital, é realmente essencial conseguir renovar todas estas coisas de tempos a tempos. Ferramentas para fazer isto? Pois, não é muito fácil. Nem eu estou bem certa de como fazer. Algumas coisas que já percebi que ajudam: encontrar forma de conseguir algum equilíbrio e balanço no dia-a-dia e na vida em geral; Rir e sorrir muito; Fazer alguma coisa de proveitoso ou agradável durante o dia (isto pode ser um monte de coisas - ouvir uma musica especial, tomar café com um amigo, ir ao cinema, fazer compras na net, escrever uma carta ou um postal aos amigos, etc, etc); Comer bem; Não pensar em cancro a toda a hora (nem falar disso a toda a hora); Arranjar maneira de minimizar o medo, para que ele não nos paralize.
[Amanhã é dia de consulta semanal com o Lambard. Não fiz o trabalho de casa vulgo lista de perguntas. Shame on me.]