«Passados quase cinco meses, o jornalista [Jonathan Franklin] ainda mantém contacto com os mineiros e sabe que, para eles, o resgate está longe de terminar. "Não estão muito bem, muitos sentem-se perdidos e não sabem qual o seu lugar no mundo. A sua saúde mental é delicada e eles não gostam da ideia de ter aconselhamento psicológico, apesar de precisarem muito dele."
Numa entrevista recente ao programa 60 Minutes, da CBS, o mineiro Alex Veja contou que está a construir um muro em volta de casa e não consegue explicar porquê. E Victor Zamora disse que tem pesadelos, que às vezes preferia estar morto. "Não consigo ter uma relação normal com a minha família, não sou tão afectuoso com o meu filho." Ele, que "era uma pessoa feliz", ainda não foi resgatado por completo. "O outro eu ainda lá está."»
Extracto de um artigo no Publico (http://publico.pt/1484187)
Situações extremas provocam confusão, desorientação. Fisicamente passa-se por muitas provações, tantas, que a mente tem dificuldade em acompanhar os processos e manter o passo. O tempo psíquico está desajustado em relação ao tempo físico efectivo. O medo da morte e a consciência da sua proximidade eminente provoca a dificuldade de voltar à vida. A vida normal fica hipotecada.
Mais do que tudo, é um esforço imenso vencer as sequelas físicas e aguentar os desafios psicológicos com esta arma que temos, que é um corpo já cansado de muitas batalhas, magro e fragilizado.
E é por isto que não tenho escrito, não tenho tido tempo para pensar em mim e na minha vida, e o (pouco) tempo que tenho tido dedico-o a outras actividades. Pouco a pouco vou-me habituando a viver assim, em recuperação. No limbo. Já não sou uma pessoa doente, os tratamentos acabaram, passei essa fase, agora o contexto é outro. Mas também ainda não sou uma pessoa normal, saudável. Estou entre-mundos. E o desafio da recuperação é também o desafio da normalidade. Porque se eu conseguir ter dias normais e felizes, fazendo as actividades que sempre fiz, com as responsabilidades que sempre tive, se eu conseguir recuperar o ritmo de vida que tinha antes, então já são dias onde a doença não entra no meu vocabulário, nem na minha mente. São dias onde a doença não me assola as horas livres nem me impede o sono. Estou neste momento em recuperação e lentamente, muito lentamente, a recuperar o meu quotidiano, a reivindicar o direito que tenho em o ter, sem ser imediatamente identificada como adoentada e considerada incapaz de o fazer pelo meu círculo de amigos e família. E nesta etapa confusa, onde recuperar é ainda sinónimo de não estar bem, torna-se urgente demonstrar que recuperar também não é forçosamente estar doente. É sofrer ainda de efeitos secundários mas ultrapassá-los, não os deixando comandar os meus dias. A partir de agora sou eu que mando, sou ditadora na minha vida, dirijo os meus dias como bem entendo. O cancro já não manda aqui. Agora mando eu.