As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 29 de Maio de 2011

A cirurgia do Felipe teve algumas parecenças com a minha 4a cirurgia, por isso esta reportagem tocou-me de forma intensa, especialmente as primeiras fotografias na cama do hospital. Hoje parece tudo tão longínquo, quase surreal, se não fossem as sequelas até me podia esquecer completamente o que passei, porque parece que foi numa outra vida, quase como se tudo tivesse acontecido a outra pessoa que não eu.

 

Mas não me quero esquecer nunca do que é ter um tubo enfiado no pescoço para poder respirar, outro no nariz até ao estômago para poder comer, não poder falar (sobretudo como o Felipe diz, "poder expressar os seus sentimentos" ou rir, ou participar nas conversas dos outros), e não poder andar porque as pernas estão demasiado debilitadas. Não me posso esquecer nunca que tive que reaprender a comer, que houve muito engasganço pelo meio, que comi sopa e papas (nem puré passava, era demasiado espesso) durante 6 meses, e chegou ao ponto onde só conseguia beber uns suplementos energéticos de farmácia. Não me posso esquecer que demorava 3h para jantar, muitas vezes acompanhado de lágrimas porque as dores eram terríveis, mesmo com doses consideráveis de morfina. Não me posso esquecer dos efeitos secundários de altas doses de morfina, que são desvalorizados, mas afirmo por experiência própria que prisão de ventre provocada pela morfina não tem graça nenhuma: perdi a conta dos dias em que fiquei em casa a contorcer-me de dores de barriga, das horas passadas na sanita, das dores, das fezes com sangue, do rabo a arder que só com halibut tinha algum alívio. Nunca ninguém fala nisso, porque é demasiado íntimo, porque ninguém quer pensar no que é passar 15 dias sem fazer cocó, e nas dores que nos assaltam quando todo esse cocó finalmente sai. Pois, não tem graça e ninguém me avisou que ia ser assim a este ponto, que esse era o principal efeito secundário da morfina (ah, e eu tomava 3 laxantes diferentes 2x por dia e mesmo assim era este cenário wc-dantesco).

 

Tenho tendência para me esquecer das situações difíceis, para apagar da memoria episódios desagradáveis, e sempre achei que isso era uma coisa boa. Até certo ponto é. Mas por outro lado é bom relembrar, nunca perder a noção do caminho que já se percorreu -onde é que eu estava e até onde cheguei. Porque é isso que me permite poder ficar contente com as vitorias (que não são só no dia dos exames, são diárias).

publicado por Silvina às 01:51


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