As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Segunda-feira, 20 de Junho de 2011

é basicamente isto. Apanhei um verdadeiro cagaço de morte. 1 ano e tal depois do meu diagnóstico com carcinoma muco-epidermoide tomei consciência da minha mortalidade e que podia mesmo morrer disto. De cancro. Aos 28 anos.

 

O resultado de ter entrado em remissão há cerca de um mês é que tenho pressa de viver. E não é raro o dia em que pense que devia ter feito mais, e melhor, e que culpabilize, porque sinto que não estou a aproveitar o que devia.

 

Por outro lado, ainda estou em recuperação e há mesmo uma data de coisas que não posso fisicamente fazer ainda, outras que não poderei fazer nunca mais. Se por um lado é preciso ter paciência e dar tempo ao tempo, por outro sinto um fogo no rabo, uma pressa de fazer coisas que me impede por exemplo de dormir, porque sinto que é tempo perdido. Tempo inconsciente, tempo onde estou desligada, parada. E parar é morrer, logo... Pois. Logo, insónias há 4 meses. E frustração constante com os dias que nunca são suficientes, nunca são completamente satisfatórios, nunca chegam.

 

O paradoxo não fica por aqui. Se vou com calma, respeito o meu corpo e o meu novo ritmo, e não me esforço fisicamente o suficiente, acabo por me acomodar à situação e não tento evoluir mais; Se me esforço demasiado, fico ainda mais cansada e ai é que o corpinho dá de si e simplesmente não aguenta. é como na fisioterapia: se se dobra o joelho é bom, e temos que dobrar senão ele não recupera o movimento; mas se dobramos e esticamos muitas vezes e rápido podemos dar cabo das articulações. E esta espécie de equilíbrio é mesmo difícil de atingir.

 

E acaba por me condicionar os planos de trabalho, porque nunca sei se me estou a esforçar demais ou se estou a usar a cancer card para procrastinar.

 

 

Além do esforço vs. cansaço, há ainda outro duo com o qual me confronto todos os dias: o carpe diem vs. planear (ou preocupar-me com) o futuro.

 

Tenho que viver no presente e não projectar a minha vida para o futuro. Porque a verdade nua e crua é que eu só tenho o hoje. O amanhã para mim não existe, e o futuro está hipotecado, pelo menos até passar a barreira dos 5 anos.

 

Como é que se vive no agora com pressa de viver, com limitações físicas, com uma vida desgovernada, incapacitada de sonhar ou de planear o meu trabalho no futuro (trabalho na área de investigação, por isso é mesmo importante planear projectos e objectivos a médio/longo prazo)? Como é que esse agora, nesses termos, pode ser satisfatório (reparem, não ouso dizer "feliz", uma vidinha mediana já me bastaria)?

 

Lutei para viver, não foi para deixar o tempo passar à espera de melhores dias. E viver não é só o contrário de estar morto, como diz a outra, não é só respirar e existir um dia a seguir ao outro; viver tem que ser mais que isto, tem que significar algo, tem que ter um propósito.


Ora bem, isto é tudo muito complexo. Uma coisa é certa, gostas de viver e isso faz a diferença.

PS

A noite (e o sono) fazem parte da vida

Bjinhos
Susana Neves a 21 de Junho de 2011 às 23:31

é exactamente isso que tenho que meter na cabeça: desmistificar o sono e perceber que ele não é "apagar", mas sim parte da vida, para permitir ao corpo descansar e atestar o deposito... às vezes demoro um certo tempo desde o momento em que percebo uma coisa até a pôr em pratica (e vou sofrendo com isso)... ;)
Um beijinho*
Silvina a 23 de Junho de 2011 às 00:02



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