Ontem conheci o meu novo cirurgião torácico, um senhor já de uma certa idade, um pouco desdentado mas com um ar patusco e simpático. é o Professor Doutor, chefe de serviço (não sei como consegui consulta com ele, mistérios do sistema nacional de saúde francês...). Fez-me saber que vou ser operada dia 9 de Novembro. Dia 9, exactamente no mesmo dia do ano passado. Sinto-me um hamster na gaiola a correr sem parar na rodinha e sem sair do mesmo sitio. Tenho tido datas muito coincidentes: 4a e 7a operação no mesmo dia; inicio da radio em 2009 e em 2010 no mesmo dia. Isto é o Universo a gozar com a minha cara, a mostrar-me que sou um simples peão no vai-e-vem dos dias, que a minha vida é um padrão pré-definido de acontecimentos que se sucedem...
A operação vai ser lixada. O médico avisou-me logo de que seria muito dolorosa, porque vão ter que me abrir nas costas e afastar as costelas. E eu pensei: "Porra, dolorosa é sempre, se ele já me está a avisar é porque é REALMENTE muito dolorosa..." E depois disse-me: "Mas temos medicamentos para a dor, morfina, etc." E eu a pensar: "Oh amigo, morfina conheço eu muito bem, tomei-a durante 10 meses...". E depois explicou-me todas as possíveis coisas que podem correr mal. Sai de lá em pânico. Eu não quero ser operada. Eu não quero fazer mais nada. Eu não quero sofrer mais NA PELE as consequências deste cancro. Eu não quero mais uma cicatriz enorme nas costas, mais semanas de dor prostrada em casa, à mercê de alguém que trate de mim. Abomino a ideia desta dependência, de precisar de outra pessoa para me manter viva. Já sem falar nos sintomas de stress pós-traumático que tenho cada vez que estou num hospital e que penso no bloco operatório. Não quero mais ter que pedir ajuda aos outros, não quero mais ter que aceitar a ajuda proposta de algumas pessoas que, não sendo de todo as pessoas que eu gostava de ter ao meu lado, são as que ficaram. A lógica do cancro é toda ao contrário e baralha-me o sistema. Não quero mais ter que precisar de apoio. Estou farta deste precisar, precisar sempre. é um peso demasiado grande para mim e para os outros. Dou por mim a afogar-me em sentimentos de culpa, a colocar-me em causa constantemente, a duvidar de mim própria, das minhas intuições, das minhas emoções, do meu instinto.
Tenho duas curtas semanas para me mentalizar que vou à faca. E que vai doer à séria. Tenho duas semanas para arranjar forças dentro de mim, para recuperar a coragem que em dias como ontem me foge por entre os dedos. Tenho duas semanas para aceitar que vou ter que ser operada, e para cultivar a esperança que vai correr tudo bem. Que tem que correr tudo bem. E que vou ainda ter fôlego para esta sétima cirurgia, para a recuperação e para os tratamentos que terei que fazer a seguir. E, finalmente, tenho ainda que manter na mira o alvo final: dar cabo deste cancro e conseguir viver a minha vida como eu quero. Saudável.