Tenho mixed-feelings em relação a estes grupos de apoio, groupes de parole, como se diz aqui na França. Grupos de palavra, de discussão, que são suposto serem fóruns abertos onde doentes com cancro podem trocar experiências entre si. Em Outubro fui a uma destas sessões, organizada pela Liga contra o Cancro cá do burgo. Sai de lá com uma enxaqueca, e ainda hoje não percebi se gostei ou não. Daqui a uma hora há outra reunião e ainda não decidi se vou ou se vou antes ao cinema.
O meu problema é que não há dois cancros iguais. As experiências das pessoas que lá estavam, embora tocassem a minha nalguns pontos, também se afastam bastante. Se por um lado não me importo de ouvir os queixumes dos outros, às vezes também não me faz bem fazê-lo, porque interiorizo demais. Uma coisa é um queixume no momento, outra é uma profunda tristeza e um sentimento de abandono que perdura todos os dias na vida daquelas pessoas. Excepto uma mulher meio doida que aos 60 anos foi fazer trekking para o Nepal (loved it!), as outras habitavam corpos gastos pela doença, e deixaram que esse habito lhes toldasse os movimentos, lhes limitasse os dias. São mulheres quebradas, marcadas para sempre com um ferro a ferver, e ainda sentem esse sabor amargo na boca. Foi isso, acho, que me perturbou mais.
Não gosto de ver pessoas dadas por vencidas, pessoas vergadas pelo peso e a memoria de tanto sofrimento. Tive vontade de as pegar ao colo, uma por uma, e ao mesmo tempo sacudi-las e dar-lhes uma chapada bem dada! Tive vontade de subir para cima da mesa, pôr a musica aos berros e começar a dançar. Tive vontade de lhes mostrar que estão vivas, que por enquanto ele -o cancro- ainda não lhes ganhou! Tive vontade de lhes dar uma injecção de adrenalina e de lhes chutar para a veia a matéria de que são feitos os sonhos. Vontade tive, mas não fiz nada disso. Fiquei ali caladinha a ouvi-las, fui para casa com uma enxaqueca e sem conseguir parar de pensar naquelas vidas.
[Há momentos onde me sinto mesmo bem em eu ser eu, assim como sou. Porra]