As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Terça-feira, 03 de Janeiro de 2012

O Matt foi a primeira pessoa com um cancro da glândula salivar que descobri na internet. Falamos um pouco virtualmente, mas acima de tudo identifiquei-me muito com ele. Porque ele tinha a minha idade, porque ele viajou e foi viver para sítios do mundo onde eu também já estive e viajei, porque ele também enfrentou a incredulidade de ter um cancro raríssimo aos vinte e poucos anos. A última vez que lhe escrevi foi em resposta a um mail onde ele expressava a frustração que sentia porque teve que abandonar o que gostava de fazer (dar aulas) por causa do cancro. O Matt sentia profundamente o que eu também sinto: a revolta por tudo aquilo que o cancro nos roubou, tudo aquilo que o cancro nos impediu de fazer, todas as oportunidades perdidas, as relações destroçadas, as viagens nunca realizadas. Ainda sinto esta revolta muitas vezes, ainda não me consegui habituar à ideia que a minha vida, o meu corpo, têm outro comandante ao leme, e não sou eu.

O Matt descobriu que tinha metástases nos pulmões, um pouco antes de mim.

 

O Matt foi a primeira pessoa com um cancro da glândula salivar que conheci e que, aos 26 anos, morreu. Eram duas da manhã quando acedi ao site dele, e quando li a mensagem que a mãe dele deixou no site com a noticia de que ele tinha partido. Não me lembro de ter chorado tanto. Não sei se por ele, se por mim, se pelos dois. Ainda hoje choro ao escrever isto, porque é demasiado triste, demasiado injusto. Porque ele não deveria ter morrido. Porque eu não deveria estar doente.

 

Tento fazer sentido da morte dele, tento pensar que enquanto esteve vivo inspirou muita gente, tento lembrar-me da força que ele teve, tento que a sua vida me dê forças em vez de me trazer uma tristeza que me aperta o esófago e que quase me sufoca. Mas não sei como encaixar isto. Não sei como racionalmente compreender a morte de um jovem de 26 anos que tinha a mesma doença que eu. Não sei como me dissociar do seu destino, não sei como continuar a ter esperança que não vamos partilhar o mesmo fim, pelos mesmos motivos. Porque é tão injusto, é tão profundamente injusto que me dói a alma.

publicado por Silvina às 14:37

Muito obrigada Helena! :))
Um beijinho*
Silvina a 4 de Janeiro de 2012 às 20:21



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