As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Sábado, 14 de Janeiro de 2012

Saí da consulta de Anestesia e fui direitinha para o bar do Hospital. Precisava urgentemente de um café e um donuts. Saquei do telemóvel e comecei a escrever-lhe um mail com as novidades. Sou Lambardodependente e não tenho vergonha disso. Sei que ele está sempre comigo, vai estar sempre comigo, até ao fim. é por isso que o primeiro e-mail é para ele, antes dos telefonemas e das sms. Concentrei-me para narrar tudo como deve de ser e não exprimir muitas emoções. Para além da óbvia, que é o medo (terror?) que sinto por saber que vou ter que ser entubada pelo nariz outra vez.

 

A operação é daqui a uns dias, 5a feira, dia 19. O cirurgião é o do costume (o giraço que tem o poder de me acalmar no bloco operatório e que cada vez que me vê me diz o quão corajosa sou). O objectivo da cirurgia é retirar todos os gânglios linfáticos do lado direito do pescoço. Em francês diz-se curage ganglionnaire. Curage rima com courage (=coragem), como me disse uma amiga. Depois tenho 2 ou 3 semanas para recuperar antes de iniciar um novo ciclo de radioterapia (o quinto!).

 

Para além da presença confirmada de gânglios malignos no TAC, foi também visível uma zona inflamatória que corresponde muito provavelmente a um diagnostico de osteoradionecrose. Nas palavras de um artigo brasileiro, "A osteoradionecrose (ORN) do esqueleto facial é uma das mais sérias e debilitantes complicações que podem ocorrer após radioterapia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço." Cuidado ao clicar no artigo, tem imagens de cirurgias que podem impressionar.

 

Fora isto, os exames não mostraram mais nada no resto do corpo. Não me consigo rejubilar com estas noticias, porque eu só vou ficar contente quando um TAC estiver limpo. Só vou ficar contente quando a vitória for total. Não me contento com meias vitórias, não consigo celebrar nada por enquanto. O copo meio cheio tipo "ai partiste a perna? Ao menos não ficaste paralítica!" não é para mim (não é defeito, é feitio). Não descanso enquanto não ganhar esta guerra.

publicado por Silvina às 23:42

Olá miúda!
Abro uma pagina de word para te escrever e estou à rasca porque acho que onde ponho as “unhas” dou cabo de tudo e tenho medo que te ofendas com o tanto que tenho para te dizer, porque não sei se o que sinto por ti é fé, a crença na ciência, a vergonha daquilo que sou ou a esperança de te ver vingar e ir contra a lei das “evidências” que nunca o são. Não sei se espero que me odeies por tudo o que te quero dizer, não sei se quero que te rias de soslaio pela minha pobreza de espírito, não imagino se te posso dar alguma força quando me provas por portas e travessas que a fraca sou eu, nem sei se te vou ajudar. Não queria, pelo menos, magoar-te…
Deixa-me explicar-te tudo tim tim por tim tim: já não me lembro como aqui cheguei. Sei que foi numa fase má (LOL) da minha vida em que perdi a profissão que queria por ânsia de mais e por isso abdiquei deliberadamente de ser mãe e passei a sofrer as penas de Cristo (L.O.L) nas mãos de uma empresa de merda e em que comecei finalmente a questionar o meu mundo cor-de-rosa, os meus sonhos, as minhas aspirações, a realidade que me rodeia, a maldade, o supérfluo e isto que é viver. Sabes… tenho 35 anos, sou saudável, tenho casa, comida, livros e não amo porque não me contento com nada. Mas tenho a família perto de mim, tenho mais 35 ou 40 anos pela frente a fazer jus à hereditariedade e canso-me de viver.
Venho aqui todos os dias à socapa e tenho medo quando não escreves por dois dias seguidos, fico ansiosa com as novidades e acovardo-me a escrever (nem sei se vou publicar-te isto, ainda). De todas as vezes que fecho a janela do teu canto pesa-me a consciência:
a) Porque posso um dia escrever e tu já não leres (desculpa, mas tenho medo…);
b) Porque a merda do exemplo que sou pode transformar-se para ti numa força (eu não me importo que me subestimes, que me odeies pelo egoísmo, pela covardia, desde que isso te faça mais forte);
c) Porque me sinto na obrigação de te agradecer por todas as bofetadas que me dás e que tanta falta me fazem, pois jamais saberia se alguma vez na vida conseguiria ser como tu. Provavelmente não.
O que tenho visto/lido é de uma nobreza desconcertante, de uma sobriedade estonteante e de uma coragem assustadora. A verdade é que tu és a prova viva da consciência. Pelo menos para mim.
As tuas dores, questões, etc, são sem que saibas a resposta para algumas pessoas neste mundo, para mim nomeadamente. De todas as vezes que acordo e digo: “fogo… vou ter de viver mais 35 anos com todas as adversidades e surpresas desta vida” envergonho-me, porque desse lado estas tu que querias ter os meus problemas. Obrigada por me envergonhares. Obrigada por me obrigares a meter a mão na consciência.
Por isso… cá está o meu depoimento: uma declaração provavelmente covarde e descrente que serve para me contradizeres, para me esbofeteares com as tuas vitórias e para te pedir que me proves que tudo isto é magico, que tudo isto é maravilhoso. Prova-me que a vida vai além das coisas supérfluas. Prova-me que a vida vai alem da beleza standardizada, fútil e inútil.
E de cada vez que esse veneno te arrancar mais um pedaço de ti ergue o punho e pensa que és melhor que ele e melhor que os outros. Dizem que Deus só nos dá o fardo que podemos suportar… se calhar é.
E por cada vez que te sentires só, triste ou descrente, pensa que ainda assim és melhor. Porque és.
E não desistas, Não percas a esperança! Morta estou eu que me desespero por coisas de merda e ainda assim levo com tabefes como os teus.
No dia em que disseres: “venci!, compro uma passagem e vou a Paris cobrar-te ao vivo e a cores as bofetadas ao vivo e a cores que me tens dado de luva branca por aqui.
E sim. Também eu tive uma Silvina na minha vida… Uma Silvina maravilhosa, com um feitio FDP, que morreu de velhinha e viveu como quis! Fica o resto da história para te contar depois de me aqueceres as bochechas.
Força. Obrigada E desculpa alguma coisa.
Isabel
Isabel a 15 de Janeiro de 2012 às 20:24

Ola Isabel, nem sei bem como hei-de responder ao teu testemunho (desabafo?). Dizer que me emocionou é pouco, que me impressionou também não é suficiente. Acho que quando escrevo aqui e partilho as minhas experiências não imagino que isso possa ter impacto na vida de outros. Aos poucos comecei a descobrir que tem, e que às vezes esse impacto é forte e positivo! Não se trata de luvas brancas, nem sequer estou convencida que sou mais forte do que tu, ou mais corajosa, ou mais o que quer que seja. Mas estou aqui deste lado a partilhar experiências, experiências essas que te tocam, mesmo não tendo tu cancro; O que só demonstra o poder da partilha, da conexão entre seres humanos, e que podemos todos aprender uns com os outros, sempre. Obrigada por teres tido a coragem de publicares um comentário destes, porque isso também me dá alento para continuar a escrever aqui. Apesar do cansaço, apesar dos dias em que me escondo do mundo, apesar de o facto de escrever aqui exigir de mim que me exponha, que me desembrulhe, o que pode ser bom (que é) mas às vezes também me dói. Mas lá está, também já aprendi que às vezes há dores boas na vida... Fico à espera de mais comentários teus! Um abraço apertado*
Silvina a 22 de Janeiro de 2012 às 22:37



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