"Aujourd'hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas."
Camus, L'Etranger
Esta frase sempre me irritou, e também não aprecio particularmente a obra, mas o que é certo é que me ficou na memória. Achei tonta, porque até aqui sempre pensei que a data da morte de alguém muito importante para nós nos ficaria irremediavelmente marcada no cérebro. Mas não. Ainda preciso de fazer um pequeno esforço de memória para me lembrar da data exacta do dia em que morreu a minha avó. Três dias depois de eu chegar a Portugal. E ainda me custa a formulação desta frase, e custa ainda mais o acordar nesta realidade: a minha avó partiu. Já não está cá. Já não lhe posso telefonar, apesar de me apetecer e de pegar no telefone todos os dias.
O que ainda me consola é que cheguei a tempo. Vi-a a entrar e sair do coma, numa cama de hospital, com metade do cabelo rapado, uma cicatriz enorme, tubos na boca e agrafos na cabeça. Peguei-lhe na mão e disse-lhe que tinha uma poupa que parecia o Tintin. Eu ri-me e ela não reagiu. Na visita seguinte chamei-a e continuei a dizer baboseiras. Abriu um olho e deitou uma lágrima. Tenho a certeza que me reconheceu e que ouviu tudo o que eu lhe disse. A última coisa que lhe disse foi "Até já...".
Não me lembro de estar assim tão triste e de me sentir tão órfã. Em 15 dias morreram 3 pessoas da minha família. Mas a minha avó era a minha forma de amor mais puro. E vai sempre ser assim. Sempre tive saudades dela, e vou continuar a ter. Isso não muda. O que muda é a falta dos abraços que ela me dava mesmo quando eu mandava vir porque sou fria e não sou criatura de afectos. Mas agora até tremo por saber que não os vou ter mais. E num fôlego egoísta penso que ainda preciso tanto... Ainda preciso tanto dela e ela já não está cá.