As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Terça-feira, 31 de Janeiro de 2012

"Aujourd'hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas."

Camus, L'Etranger

 

 

Esta frase sempre me irritou, e também não aprecio particularmente a obra, mas o que é certo é que me ficou na memória. Achei tonta, porque até aqui sempre pensei que a data da morte de alguém muito importante para nós nos ficaria irremediavelmente marcada no cérebro. Mas não. Ainda preciso de fazer um pequeno esforço de memória para me lembrar da data exacta do dia em que morreu a minha avó. Três dias depois de eu chegar a Portugal. E ainda me custa a formulação desta frase, e custa ainda mais o acordar nesta realidade: a minha avó partiu. Já não está cá. Já não lhe posso telefonar, apesar de me apetecer e de pegar no telefone todos os dias.

 

O que ainda me consola é que cheguei a tempo. Vi-a a entrar e sair do coma, numa cama de hospital, com metade do cabelo rapado, uma cicatriz enorme, tubos na boca e agrafos na cabeça. Peguei-lhe na mão e disse-lhe que tinha uma poupa que parecia o Tintin. Eu ri-me e ela não reagiu. Na visita seguinte chamei-a e continuei a dizer baboseiras. Abriu um olho e deitou uma lágrima. Tenho a certeza que me reconheceu e que ouviu tudo o que eu lhe disse. A última coisa que lhe disse foi "Até já...".

 

Não me lembro de estar assim tão triste e de me sentir tão órfã. Em 15 dias morreram 3 pessoas da minha família. Mas a minha avó era a minha forma de amor mais puro. E vai sempre ser assim. Sempre tive saudades dela, e vou continuar a ter. Isso não muda. O que muda é a falta dos abraços que ela me dava mesmo quando eu mandava vir porque sou fria e não sou criatura de afectos. Mas agora até tremo por saber que não os vou ter mais. E num fôlego egoísta penso que ainda preciso tanto... Ainda preciso tanto dela e ela já não está cá.

publicado por Silvina às 23:50
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Abraço apertado e quente.
Força.
Flora a 1 de Fevereiro de 2012 às 10:45

Obrigada Flora*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:07

Muita força.
Susana a 1 de Fevereiro de 2012 às 11:28

Obrigada Susana*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:07

Silvina, não acho que sejas uma pessoa fria e és de certeza uma pessoa de afectos, só que não sabes. O que sentes pelo Dr.Lambard é uma forma de afecto, só que tu não queres...
Bjs
lu a 1 de Fevereiro de 2012 às 13:28

lu, não sou muito de afectos, não...
Com o Dr. Lambard, mais do que afecto, é dependência! :P
Um beijinho*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:09

Muita muita Luz. Força!
Ana a 1 de Fevereiro de 2012 às 15:53

Obrigada Ana*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:09

Tirando os meus filhos e o meu marido, não sou uma pessoa de abraços. Fico estática como um bloco de gelo, de cada vez que a minha única avó ainda viva me abraça, ou qualquer outra pessoa fora deste círculo pequenino de pessoas.
Só que a cena com as avós é que elas continuam a abraçar-nos, mesmo que saibam que não gostamos de ser abraçadas e nós gostamos que elas continuem, apesar de saberem que não gostamos...
Mesmo sabendo que, tal como eu, não és mulher de abraços, deixo-te aqui um imenso abraço de conforto.
Ana C a 1 de Fevereiro de 2012 às 19:49

Ana C, tu percebes sempre tudo. é isso mesmo.
Obrigada pelo abracinho*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:11

:(
Monóloga a 1 de Fevereiro de 2012 às 20:50

pois...
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:11

desculpa, mas nestas alturas faltam-me as palavras...
beijinho
Monóloga a 2 de Fevereiro de 2012 às 19:26

Que bom que chegaste a tempo de te despedir, mas lamento muito, muito a tua enorme perda. Muita força para ti.

Um abraço,
Eu
Eu a 1 de Fevereiro de 2012 às 21:24

Obrigada Eu.
Um grande beijinho*
Silvina a 2 de Fevereiro de 2012 às 18:12

ainda hoje sinto falta dos abraços da minha avó. ainda hoje, se fechar os olhos, quase que os sinto.

beijo grande
maria gata a 3 de Fevereiro de 2012 às 23:46

Também sinto a falta deles... E do cheiro que ela tinha, que mesmo fechando os olhos com força não consigo voltar a cheirar...
Um beijinho*
Silvina a 7 de Fevereiro de 2012 às 01:35

Chegaste a tempo, isso foi importante. A tua avó vai-se manter sempre ao teu lado, no teu coração, e será sempre uma fonte de inspiração para ti. Digo-o por experiência própria, pois continuo a ter o "coração quentinho" (expressão pirosa mas de que gosto muito, porque não conheço outra que transmita o mesmo) ao pensar na avó muito querida que era a alma da minha família
Zu a 4 de Fevereiro de 2012 às 16:21

Obrigada Zu... Espero que isso também aconteça comigo, com o tempo. Por enquanto ainda sinto muito a falta dela, aquela falta nua e crua, presente, física, do aqui e agora. Sinto aquela falta animalesca, de a cheirar, tocar, ouvir a voz dela. E tenho muito medo de me esquecer de coisas, de me esquecer dos cheiros, dos tons de voz correspondentes às diversas ocasiões (se estava zangada, gingona, contente ou cansada). Com este chemo-brain a minha memoria já não é o que era...
Um beijinho*
Silvina a 7 de Fevereiro de 2012 às 01:39



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