Há uns tempos comecei a ler Tristano Morre, do Antonio Tabucchi. Li umas 10 páginas e tive que parar. é um daqueles livros intensos, em que cada página me fazia pensar durante 1h em temas difíceis desta vida. Encontrei citações assim desta categoria em cada parágrafo.
Lembro-me de na altura ter pensado: "como é possível que um escritor consiga falar assim da morte sem estar ele próprio a passar por isso?"
Não era possível. Antonio Tabucchi morreu hoje de cancro.
Foda-se para o cancro.
"A propósito de elefantes, de todos os rituais fúnebres que as criaturas deste mundo excogitaram, sempre admirei o dos elefantes, que têm uma estranha forma de morrer, sabias? Quando um elefante sente que chegou a sua hora afasta-se da manada, mas não o faz sozinho, escolhe um companheiro que vá com ele, e abalam. Avançam pela savana, muitas vezes a trote, depende da urgência do moribundo... e caminham, caminham, podem fazer quilómetros e quilómetros, até o moribundo decidir que é ali que ele quer morrer, então dá umas quantas voltas e traça um círculo, porque sabe que chegou a hora de morrer, leva a morte dentro de si mas tem de colocá-la no espaço, como se se tratasse de um encontro, como se quisesse olhar a morte de frente, fora dele, e lhe dissesse bom dia senhora morte, cheguei... (...) e só ele pode entrar naquele círculo, porque a morte é um assunto privado, muito privado, e ninguém lá pode entrar senão quem está a morrer... e aí chegado pede ao companheiro que o deixe, adeus e muito obrigado, e o outro regressa à manada...
(...)
Só eu conheço o meu círculo, sei quando há-de chegar o momento, é certo que quem nos escolhe é a hora, mas também é certo que se tem de concordar que ela nos escolha, a decisão é dela mas no fundo também tem de ser nossa, como se fosse nossa a escolha e nos limitássemos a capitular frente a ela... Por enquanto vamos trotando juntos, aparentemente seguimos em frente, embora na realidade estejamos a recuar para chegar ao meu círculo, que fica à minha frente. Tu entretanto ouve e escreve, quando chegar a hora da despedida eu digo." (Tristano Morre, p.10-11)
Foi hoje. Adeus Tabucchi.