Acabei de ser operada. E o que mais me bateu hoje não foi o regresso ao hospital, nem o ritual de vestir a bata transparente, tirar as jóias, enfiar uns plásticos nos pés e uma touca na cabeça, nem sequer foi ouvir o médico dizer-me que se calhar o que tenho (tinha) no pescoço é mesmo um quisto e não um gânglio. O que mais me bateu hoje foi o facto de ter lido o teu livro antes e depois da cirurgia. Acompanhou-me nesta viagem, na mente, na pele, na maneira de me emocionar com o mundo -mesmo este meu mundo hospitalar. Transportou-me todo o dia, desde o momento em que o abri no metro até acabar de o ler na cafetaria do hospital, rodeada de batas brancas e verdes e pés com socas (acho que são Crocs), já com uma nova cicatriz e novas dores, e um sumo de laranja à frente. A satisfação de sentir algo enorme, maior do que eu, é mil vezes superior à de compreender um conceito metafísico importante ou de fazer uma fantástica descoberta racional. Raramente me tinha sentido assim tão inundada de emoções, e, sobretudo, nunca me lembro de ter gostado.
E devo isso tudo ao teu livro, que escreveste com 25 anos e que pela tua amizade me chegou às mãos na altura certa. E tenho a certeza de que também o li na altura certa. Hoje. Obrigada por estes momentos de profundo sentir, e pelas viagens por Paris, Veneza e Roma. Também as conheci por esta ordem. E no fim, o regresso a Paris e a vontade de regressar a Lisboa. Sinto-me estranhamente em casa.