As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Domingo, 21 de Outubro de 2012

Com o cancro aprendi duas lições valiosas: nada é eterno e toda a gente tem limites. Ossos duros de roer, quando reflectimos mesmo nisto. Que nada dura para sempre e que tudo um dia, acaba, muda, se transforma.

 

Tive algumas desilusões nestas ultimas semanas, das que me admiraram e outras nem por isso. A quimio que fiz em Agosto e Setembro não funcionou. Obrigada Carbo+Taxol por nada terem feito por mim além de me terem desvendado a careca.

 

Agora a quimio é outra, e esta custa. Já no hospital, tive febre. Em casa, tive febre que me fez vomitar. Depois ligeiras náuseas. Depois acne e a boca toda rebentada por dentro (mucosas, lábios e língua, TUDO) com aftas. Perda de apetite. Um cansaço inexplicável. Lá voltei a andar a pé, aos bocadinhos, e a voltar do hospital de táxi. Estou há quase uma semana retida em casa. E sem grandes sinais de melhoras. E a dose é para ser repetida para a semana.

 

Quando me dei conta que estava a tremer de frio com 39° no hospital pensei, armada em forcado em frente ao touro, "ao menos esta quimio tem algum efeito no meu corpo! Talvez também afecte os tumores..." Lá está ela, a esperança bravia, que me surgiu se calhar de um delírio febril. Claro que quando chegaram os outros efeitos secundários só desejava que isto parasse. Que isto tivesse um fim, e rápido. Viver enclausurada não é para mim; passar os dias na cama também não. Mas se eu não aguento esta merda, acabou-se. Ganham os tumores (antigos e novos que entretanto vieram dar um ar da sua graça) e ganha o curso imparável do tempo. Porque eu corro, corro, corro, para ter mais tempo, mas cada vez mais ele me sufoca, com varias mãos resolutas no seu propósito e cada vez mais ele me levanta do chão, e me retira os apoios, e me abana pilares e toda a minha fundação.

publicado por Silvina às 17:18

Segunda-feira, 08 de Outubro de 2012

Já há três meses que não fazia exames assim tão completos. Vão-me scannear de cima a baixo. E eu não sei o que esperar. Não sei se tenha medo, se me angustie, se tenha esperança ou simplesmente encolha os ombros. Hoje na sala de espera encolhi os ombros. é o que é. Que será, será. Whatever will be, will be. Aceito com um encolher de ombros o que não posso mudar. Queria muito ter boas noticias; ou melhor, queria muito não ter mais más noticias, o que para mim (na minha óptica e experiência de vida com o cancro) já seriam boas noticias. Mas se tiver realmente mais más noticias encolho os ombros. 

 

Estou à espera, e na espera é difícil agir, raciocinar, sentir as coisas com maior clareza do que um encolher de ombros. E podia discorrer sobre como é injusto, sobre a falta de esperança, sobre a sombra da morte, sobre a possibilidade desta quimio não ter feito nada (e de eu ter andado a submeter-me a isto para nada), sobre a impotência, sobre o TIC TAC que não me sai da cabeça. Mas hoje não estou para isso. Hoje encolho simplesmente os ombros e espero.

publicado por Silvina às 17:26

Quinta-feira, 27 de Setembro de 2012

A intensidade dos meus dias não dá mostras de afrouxar. Sexta ao fim da tarde tive alta do hospital. Terça já estava enfiada na Box para a terceira cura de quimioterapia. Desta vez correu tudo bem, estava bem mais calma, ouvi muita música, calhou-me uma enfermeira competente e simpática que acelerou o processo todo, e para rematar tive a visita do Dr Lambard.

 

Fui e voltei a pedalar. Começo a perder os pudores de ir a pedalar para a quimio, embora haja sempre aquele momento antes de sair de casa onde penso "hmmmm... Este coração ainda está a meia haste, mais o esforço da quimio e chuva miudinha, se calhar isto não é grande ideia", mas acaba sempre por ser. O prazer de voltar para casa de bicicleta e de me sentir normal durante 15min não tem preço.

 

Não deixa de ser um dia secante, como pude confirmar quando olhei para a balança que lá tinham:

 

 

;)

 

publicado por Silvina às 22:26

Sábado, 01 de Setembro de 2012

As saudades batem em dias como hoje, assim do nada, porque o que mais me apetecia agora era telefonar à minha avó e conversar com ela, ouvi-la animar-me o dia, dizendo qualquer coisa como: "oh filha, deixa lá, estás careca, mas há coisas piores, e tu já passaste por tanto. Tenho a certeza que estás bonita na mesma." E eu ia sorrir e acreditar só porque era ela que me dizia, mesmo olhando-me ao espelho, vendo-me careca e com borbulhas no couro cabeludo. E embora ache que a minha cabeça não seja feia de todo, ainda há um longo caminho a percorrer até aceitar a ausência de cabelo, as borbulhas, o nódulo canceroso que, saliente, me relembra que o cancro me assombra a cabeça, e que mesmo com duas doses de quimio continua ali, firmo e hirto.

Wikipedia: equine leukoencephalomalacia.

publicado por Silvina às 18:49

Terça-feira, 28 de Agosto de 2012

Desta vez tive mal disposta o dia todo. Acordei virada. São raros os dias em que acordo capaz de esfolar o mundo, de cuspir para cima de quem me olha de lado e de mandar vir a torto e a direito porque não me consigo controlar. Hoje foi um desses dias. Acho que andar com privação de sono há 5 noites pode ter contribuído para a "tempestade perfeita". Até com o Dr Lambard consegui ficar chateada. Arre! 

Tirando o mau humor e o sono, a quimio em si correu bem, longa como de costume mas por enquanto não sinto nada. Espero que as náuseas fiquem longe, e façam companhia ao vomito lá atrás do sol posto.

Fiz um pé de vento porque me enfiaram um capacete frio (gelado) na cabeça, supostamente para impedir o cabelo de cair. Mas: 1) Não funciona, ele cai na mesma; 2) é desconfortável como o raio; 3) fico parecida com o ET versão química; 4) e finalmente, pode impedir os produtos da quimio de penetrarem no couro cabeludo, e como eu tenho um nódulo na cabeça (parece um galinho) isto não é nada boa ideia, parece-me...

Prova que comprova (passe a redundância) o ponto n.° 3:

 

 

 

E hoje, pedalaste, Silvina?

 

SIM, CLARO. Fui e voltei a pedalar.

publicado por Silvina às 16:45

Domingo, 26 de Agosto de 2012

Fim-de-semana no campo. E ao jantar, o seguinte diálogo:

 

Amigo de uma amiga: "Mas voltas quando para Paris?"

 

Eu: "Amanhã."

 

Amigo de uma amiga: "Já? Mas não podes voltar mais tarde?"

 

Eu: "Não..."

 

Amigo de uma amiga: "Mas porquê? O que é que tens que fazer em Paris assim tão importante?"

 

Eu penso "porra que este está a pedi-las" e digo: "Tenho que voltar para Paris porque tenho cancro e tenho que fazer quimio daqui a 4 dias."

 

Amigo de uma amiga: "Ah fixe, vais a um concerto! De quê?"

 

[NOTA: cancro diz-se cancer em francês, que pode ser confundido com concert (concerto de música), especialmente se a conversa se processa entre duas pessoas estrangeiras]

 

Eu: "Não, vou fazer quimio. Quimioterapia."

 

Amigo de uma amiga: "Que grupo é esse, não conheço."

 

Eu, já morta de riso: "Não é CONCERTO, é CANCRO, sabes, cancro - a doença!!! Tenho cancro há 3 anos!!! E vou ter que ir fazer tratamentos de quimioterapia."

 

Amigo de uma amiga: "Errrr. Ahhhh. Epa..."

 

 

Pronto. Estava a pedi-las e eu fui tão brutinha! Adoro! eheheh

publicado por Silvina às 18:43

Sábado, 25 de Agosto de 2012

Sabia que o cabelo ia cair, só não sabia quando nem como. Aconteceu de um dia para o outro. Acordei hoje de manhã com a almofada cheia de cabelos e no banho foi um festival - parecia que me estavam a aspirar a cabeça.

 

Fui ao cabeleireiro, depois de ter andado semanas a pensar que ia ser um drama, porque ia sozinha, porque ia ficar triste, porque ia perder o cabelo, afinal não foi nada disso:

 

Eu: "Quero uma moicana."

 

Tony: "Estás a falar a sério?!"

 

Eu: "Ya. Quero lá saber! Sempre quis fazer uma, mais vale aproveitar agora, mesmo que dure 1 dia, ao menos vou-me divertir!"

 

 

 

 

Tony: "Põe um bocado de maquilhagem na cara... Um eyeliner, umas sombras... Para ficares mais feminina. Senão tens as sapatonas todas atrás de ti..."

 

Já disse que adoro o meu cabeleireiro? O Tony faz-me rir. O Tony é o maior.

publicado por Silvina às 16:09

Quinta-feira, 09 de Agosto de 2012

 

No fim da quimio:

 

"Precisa que lhe chame um táxi para voltar para casa?", pergunta-me a enfermeira de serviço.

 

"Não é preciso, tenho a minha bicicleta.", respondi.

 

Ficou com ar espantado a olhar para mim.

 

 

Sim, porque depois de horaaaaaas a levar na veia via cateter, peguei na bicicleta e no caminho para casa fui aviar receitas à farmácia. O resultado foram dois sacos cheios de remédios para todas as eventualidades e uma bicicleta a abarrotar...

 

 

 

São estas minhas decisões parvas que me fazem sorrir. Quem é que no seu juízo perfeito vai fazer quimio de bicicleta, sem saber em que estado é que sai de lá? Eu! Claro que passei a tarde toda a fazer planos alternativos, estratégias para lidar com os prováveis cenários: "saio daqui a vomitar, como faço para ir para casa?" ou "Estou com a cabeça às voltas, se calhar não é boa ideia pedalar..." ou ainda "Estou com náuseas e desequilíbrios, deixo aqui a bicicleta e venho buscá-la amanhã?". No fim a doidice compensou, regressei a pedalar e senti-me bem. This time...

publicado por Silvina às 17:22


O que se passa é que há duas semanas descobri que tinha uma metástase no cérebro. O que sempre foi o meu maior pânico, terror mesmo, materializou-se na realidade de umas imagens de uma TAC. Tão claras, que até eu consegui ver logo o pontinho branco no meu cérebro.

 

Depois a duvida: dado que fiz este exame fora do âmbito do ensaio clínico, será que devo abrir o jogo e ser sincera em relação ao resultado, mesmo correndo o risco (mínimo) de ser rejeitada do dito ensaio? Li a papelada toda, verifiquei na net, em lado nenhum estava marcado "metástase cerebral" como critério de exclusão. Resolvi dizer a verdade, porque é assim que eu sou. Não tenho feitio para grandes embrulhadas e mentiras a este nível. No dia em que ia começar o ensaio pedi para falar com um médico antes. Disse-lhe que tinha uma metástase de cerca de 1cm, sem sintomas. E fui imediatamente expulsa do ensaio. Sai de lá cheia de raiva. Cabrões dos investigadores, puta de metodologia, caralho mais para os laboratórios e as regras (pouco) estritas, que permitem que se jogue assim com a vida das pessoas. A velha de 70 anos com cancro do cólon e metástases no fígado deitada na cama ao meu lado foi aceite. Eu fui para casa de rabinho entre as pernas. A barafustar para dentro "porque que raio é que eu tenho que ser tão honesta?! Devia ter mentido."

 

O meu médico chéri estava de férias. Fiquei só, a ter que lidar com o meu maior medo, com uma rejeição deste tamanho, com a perspectiva de um tratamento de plano B que não me agradava nada, nadinha.

 

Estive quase a explodir. Como diz uma amiga minha, quase a dar o tilt. Fugi para Marrocos, para respirar. Resolvi esperar mais uma semana que o meu médico voltasse para poder decidir as coisas com calma. E ter tempo para aceitar.

 

Comecei ontem a quimio, mas ainda não aceitei. 

 

 

 

Estava um dia bonito, o sol aquecia-me as costas e eu caminhava pelos jardins do Hospital. "Ainda posso fugir. Ainda vou a tempo de fugir deste pesadelo...", pensei. Ao mesmo tempo ia caminhando para o café, pedi um café com leite e um donuts com chocolate (a minha ração de combate e ao mesmo tempo um ritual que forjei cada vez que estou num hospital e o momento é delicado). Cabisbaixa caminhei pelo parque outra vez, em direcção ao serviço de oncologia. Não fugi. Não sei porquê, mas não fugi.

publicado por Silvina às 16:17


Comunidade de doentes oncológicos e afins, preciso de ajuda. Ontem comecei a fazer quimioterapia. Não vale a pena alongar-me muito sobre as estatísticas, que roçam os 0% de taxa de sobrevivência. Normalmente com o meu tipo de cancro avançado faz-se quimio para prolongar a vida. Para depois fazer mais tratamentos para prolongar a vida -estão a ver a pescadinha de rabo na boca?- Pergunto-me onde fica o viver a vida no meio disto tudo...


Independentemente disso, tenho de tentar. Ainda hesitei durante uma semana, faço, não faço, faço, não faço.


Preciso de esperança e de um milagre. Decidi fazer, porque mesmo que não acredite nesta quimio, pode dar-me mais tempo para surgir outra coisa.


Mas preciso também de dicas para suportar melhor a quimio, a perda dos cabelos, os outros efeitos secundários todos... 

 

Está aberta a caixa de comentários! Usem e abusem!

 

 

ADENDA: Quando fiz cisplatina há 1 ano e meio tive muitas náuseas mas nunca vomitei e não me caiu o cabelo. Este protocolo que estou a fazer agora é Carboplatina + Taxol. Se alguém já o experimentou que se acuse! :)

publicado por Silvina às 16:13


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