As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2012

No sábado cruzamo-nos no mesmo autocarro para Veneza. Pensei que fosse musico de jazz, e imaginei-o a tocar qualquer coisa triste num bar de jazz, apesar do ambiente alegre e carnavalesco. Ao fim da tarde, depois de divagar por umas ruelas apertadas, desembarquei meia perdida numa praça ao pé da Accademia. Dei de caras com ele. Preparava-se para começar a tocar. E eu, em vez de esperar, falar com ele ou dar passinhos de caracol qual compasso de espera desajeitado, insisti na minha marcha nómada e afastei-me dali sem rumo nenhum.

Fiquei a pensar nele.
Domingo, a uma hora diferente, lá estava ele na paragem à espera do bus. Mais uma vez não exprimi nada em voz alta, apesar de, na minha cabeça, lhe ter dirigido uma série de perguntas inteligentes e reparos engraçados, para ele perceber que não sou só uma gaja desfigurada, mas que também tenho sentido de humor.
Saímos na mesma paragem, comigo sempre a pensar: "Ursa. Dá meia volta e vai falar com ele! Pergunta-lhe onde é que ele vai tocar!" Continuei esta linha de pensamento enquanto tentava decidir-me sobre que bairro da cidade visitar nessa manhã. Quando dei por mim, ele estava mais uma vez atrás de mim, a arrastar a hipotética guitarra e mais o amplificador escada acima na ponte sobre o canal. Descida a ponte, ele virou à esquerda e eu à direita. Não o vi mais.
Ainda me assombra com a sua postura, com a musica que não o ouvi tocar, com a magia dos encontros por acaso, com o mar de possibilidades ("e se lhe tivesse falado?" "E se ele me tivesse falado a mim?").


Há encontros que ficam na memória por nunca terem acontecido...


Veneza, 19/02/2012


Domingo, 09 de Outubro de 2011

 

 

 

...para contrariar as nuvens de Paris.

[chegou o inverno, o vento, a luz tamisada através de um manto cinzento]

publicado por Silvina às 22:39

Terça-feira, 27 de Setembro de 2011

 

Roma foi fixe. Fartei-me de andar, há lá muito para ver. E fartei-me de comer pizza e andar nos autocarros sem pagar porque sou pobre, e entrar no Museu de Arte Oriental sem pagar porque sou estudante. Comi um gelado, comprei um vestido, trouxe uns postais para enviar para os amigos como é tradição. Apesar da poluição, descansei a cabeça, dormi a horas certas e até me consegui levantar às 8h num dos dias para ver o Fórum Romano.

 

Hoje foi o primeiro dia de radio. Já lá tinha ido ontem, deitar-me na "marquesa" meia hora para fazerem as medições necessárias. Hoje (e ontem também) cruzei-me com o meu médico giraço. Não sei se foi por ter largado a pílula, mas ando com uma libido descomunal e levemente descontrolada. O que me ajudou a concentrar-me no meu médico e a ter pensamentos pecaminosos em vez de me concentrar no medo e na sensação de desconforto que é ter que voltar àquelas salas. Portanto, posso dizer com toda a convicção que a ronda de testes e a primeira sessão correram muito bem. E que o Lambard ficou especado a olhar para mim de alto a baixo, porque além da libido levei saltos e um senhor decote (grande, mas não ordinário). é sempre bom impressionar pela positiva a equipa médica...

 

 

*Gosto muito da Miss.Tic, a foto é de um stencil ao pé da minha casa. Não sei bem como traduzir esta expressão, porque perderia toda a magia que reside em pronunciar estas palavras em francês.

 


Sábado, 11 de Junho de 2011

Meti-me num avião low-cost e fui 4 dias a Itália. As minhas primeiras férias desde Setembro, porque para mim férias é quando finalmente posso/consigo desligar do cancro, e tenho saúde suficiente para me bazar de avião. Não foi fácil ter que enfrentar o olhar dos outros quando tentava sorver massa no restaurante, nem quando demorava 1h30 para comer uma pizza com bocados a sair pela boca. Não foi fácil tentar falar italiano, sobretudo porque nem quando falo a minha língua materna me percebem bem. MAS valeu a pena. Fui, descansei, andei kilometros, vi paisagens lindas, e provei a mim própria que consigo viajar sozinha, como dantes. Vi uma menina bonita no comboio e quase que chorei porque ela tinha um pescoço que me fez lembrar o meu há uns tempos, antes de ser massacrado. Tive que me concentrar para expelir a emoção e parar de choramingar o que perdi para sempre. Tenho esse longo caminho pela frente, ter de aceitar que mudei e não me sentir fragilizada por isso. E tomei a decisão de fazer uma cirurgia plástica assim que puder. Não quero que ninguém saiba o que passei só de olhar para mim. Reivindico o privilégio de ser eu, e não o meu pescoço, a contar a minha historia.

publicado por Silvina às 23:42


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