No sábado cruzamo-nos no mesmo autocarro para Veneza. Pensei que fosse musico de jazz, e imaginei-o a tocar qualquer coisa triste num bar de jazz, apesar do ambiente alegre e carnavalesco. Ao fim da tarde, depois de divagar por umas ruelas apertadas, desembarquei meia perdida numa praça ao pé da Accademia. Dei de caras com ele. Preparava-se para começar a tocar. E eu, em vez de esperar, falar com ele ou dar passinhos de caracol qual compasso de espera desajeitado, insisti na minha marcha nómada e afastei-me dali sem rumo nenhum.
Fiquei a pensar nele.
Domingo, a uma hora diferente, lá estava ele na paragem à espera do bus. Mais uma vez não exprimi nada em voz alta, apesar de, na minha cabeça, lhe ter dirigido uma série de perguntas inteligentes e reparos engraçados, para ele perceber que não sou só uma gaja desfigurada, mas que também tenho sentido de humor.
Saímos na mesma paragem, comigo sempre a pensar: "Ursa. Dá meia volta e vai falar com ele! Pergunta-lhe onde é que ele vai tocar!" Continuei esta linha de pensamento enquanto tentava decidir-me sobre que bairro da cidade visitar nessa manhã. Quando dei por mim, ele estava mais uma vez atrás de mim, a arrastar a hipotética guitarra e mais o amplificador escada acima na ponte sobre o canal. Descida a ponte, ele virou à esquerda e eu à direita. Não o vi mais.
Ainda me assombra com a sua postura, com a musica que não o ouvi tocar, com a magia dos encontros por acaso, com o mar de possibilidades ("e se lhe tivesse falado?" "E se ele me tivesse falado a mim?").
Há encontros que ficam na memória por nunca terem acontecido...
Veneza, 19/02/2012