Sinto-me um cyborg. Entre a placa de metal que tenho na boca, menos um osso da perna e mais um cateter e respectiva caixinha de plástico implantados debaixo da pele, sinto-me meia pessoa, meia máquina. Sou um Robocop do cancro.
Sinto-me um cyborg. Entre a placa de metal que tenho na boca, menos um osso da perna e mais um cateter e respectiva caixinha de plástico implantados debaixo da pele, sinto-me meia pessoa, meia máquina. Sou um Robocop do cancro.
À medida que os efeitos da radio se fazem sentir, desanimo um pouco mais. A radiação irrita-me o esófago, o que provoca dores e dificuldades a engolir e também refluxo acompanhado de vontade de vomitar. Eu só queria conseguir alarvar as iguarias natalícias e não ter que tomar comprimidos e controlar o vomito. Mas ao mesmo tempo penso no Natal passado, onde tive que beber batido de arroz doce e comer sopa toda passada porque não entrava cá mais nada. Lá está, podemos sempre estar pior. Não é que isso me traga um grande consolo, porque o universo continua a gozar à grande com a minha cara.
Ontem de manhã vi o Lambard, que me descobriu mais um gânglio no pescoço. Saí da consulta e fui abananada enfiar-me num bloco operatório para pôr um cateter. Correu tudo bem, mas passei o dia todo com vontade de chorar, com vontade de mandar tudo à merda e eclipsar-me deste meu modo de vida. Continuo assim, frágil e forte, em alternância nómada entre as minhas duas metades.