As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Sexta-feira, 08 de Março de 2013

Noutro dia lembrei-me de me pôr a contar metástases. Agora vejo que talvez não tenha sido a coisa mais inteligente a fazer durante a tarde, mas os momentos parvos não escolhem alturas. Contar metástases exige uma certa arte e metodologia. Conto só as que posso apalpar? Conto só as que foram "formalmente identificadas" como tal num exame médico? Conto tudo a eito e ainda introduzo dados estatísticos? Decidi contar as que foram "formalmente identificadas" como tal nos exames (mesmo que já tenham sido tratadas com Radioterapia), e também aquelas que eu posso apalpar e afirmar que são metastases quase sem sombra de duvida... E a coisa processou-se mais ou menos assim:

 

5 (cérebro) + 1 + 1 + 1 (cabeça) + 1 + 1 (pescoço) + 1 + 1 + 1 (mediastino) + 3 (mamas) + 2 (rins) + 1 + 1 + 1 + 3 (ossos) + 1 + 1 (gânglios), o que dá um extraordinário total de 26 metástases! Isto num corpo de 1,62cm e entre 43-44kg.

 

Fecho os olhos e sei que em cada cm3 do meu corpo se passeia uma célula cancerígena. Parece que foi num foguete que chegámos até aqui. Como é que eu posso explicar que num período de 2 a 3 semanas a minha situação se degradou tanto ao ponto de já não conseguir andar sozinha na rua, porque não tenho forças nas pernas e também porque tenho medo de me desequilibrar e cair; ao ponto de já não conseguir engolir alimentos sólidos, nem medicamentos, portanto estou a regime de líquidos. Quase todos os dias tenho febre; normalmente vem à noite, do esforço de viver o dia-a-dia. Tomar banho é um esforço tal que me provoca febre, assim como estar concentrada durante muito tempo (dai a ausência de posts, não ando sem vontade de escrever nem com falta de ideias, pelo contrario, apetece-me e sinto que preciso, mas canso-me imenso).

 

Todas as minhas actividades têm de ser calculadas ao milímetro, para gerir a energia consumida e a energia que me sobra. Senão não aguento. Um pormenor (MUITO) importante: continuo a viver sozinha, mas para isso tenho tido muita ajuda, da família e dos amigos. Agradeço-lhes todos os dias o esforço que fazem, o tempo (deles) que perdem comigo, porque tenho perfeita noção que poderia estar hospitalizada e pronto. Mas assim posso estar em casa, que é o melhor para mim neste momento, se considerarmos bem-estar físico e mental.

 

 

 

[desculpem se houver muitos erros, esta cabeça já esteve mais eficaz...]

publicado por Silvina às 10:25

Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013

As vezes esqueço-me que os dias passam demasiado depressa, penso que já não escrevo há uns dias e quando dou por ela "uns dias" transformaram-se em duas semanas. Desculpem não dar mais vezes noticias, nem ser mais precisa, e usar o cansaço como desculpa universal. Depois os comentários que recebo com a vossa preocupação abanam-me e sinto-me uma sem vergonha de se passarem 2 semanas e eu caladita que nem um rato. Então cá vão algumas novidades:

 

1. O cansaço é real, não é bem uma desculpa. Ao mínimo esforço o meu querido corpinho aquece e a febre pode rapidamente passar acima dos 38°. Por isso tenho que me impor repouso muitas vezes, e acalmar os anseios e os nervos, beber muita água, e dormir até a febre desaparecer (como foi hoje à tarde, por exemplo).

 

2. Acabei por ficar hospitalizada 15 dias no total. Vim para casa ainda meio abananada, com os músculos todos derretidos, magra, com muitas dificuldades para comer e uma prisão de ventre que ainda hoje me faz companhia. E a tomar morfina. Entretanto fiz mais uma quimio, só de erbitux.

 

3. As dores não dão tréguas. Todos os dias tenho dores, varia é a intensidade.

 

4. Ontem fiz radioterapia às costas. Tenho uma metástase na vértebra L4, que dói como a porra, a puta. A sério, quando alguém vos falar de dores causadas por metástases ósseas façam vénias a essa pessoa, porque a dor é perto de insuportável. Parte boa: a radio foi só uma sessão, agora entrei em compasso de espera: se a dor diminuir nos próximos tempos é porque a radio funcionou.

 

5. Teasing: vi finalmente o Dr Lambard fora do ambiente hospitalar. Bebemos um chá branco de frutos do bosque. Boa conversa, boa companhia. Mas foi só isso, e chegou-me muito bem. :)


Quarta-feira, 23 de Janeiro de 2013

Na terça fui para o hospital para fazer a oitava cura de Erbitux. Parecendo que não, já vou na oitava, seis meses de quimio non-stop (e sem fim à vista). Dizia eu que fui para o hospital; normalmente fico sempre num quarto individual mas desta vez puseram-me num quarto duplo. Às tantas chega a minha "vizinha", uma rapariga magra, com ar esquisito e andar à pata choca. Fiquei curiosa, mas não meti conversa, porque estava nesse momento a levar com a pré-medicação da quimio (anti-histamínicos), que me deixam quase incapaz de abrir a pestana. Dormi a tarde toda. Quando estava a jantar a minha "vizinha" de quarto pede-me ajuda. Lá me levanto e com os fios todos e a perfusão atrás chego-me à sua beira. Tinha-se vomitado toda. Era vómito branco e espesso por todo o lado, na cama, na cara, nas roupas,... Apanhei a campainha do chão, chamei a enfermeira, ri-me, disse que toda a gente vomita e que não havia problema nenhum, dei-lhe uns guardanapos para ela se limpar, esperei que a enfermeira chegasse, expliquei a situação e bazei dali para fora, antes que fosse eu a chamar o gregório por contaminação e para não a deixar ainda mais envergonhada. Percebi que tinha um tumor cerebral, e que a situação se estava a deteriorar com rapidez.

 

Soube no dia seguinte mais pormenores: que ela tinha 28 anos, que era russa, que vivia em França há 6 anos, sozinha, que a família estava na Rússia. Não a consigo tirar da cabeça, porque o andar à pata-choca e a tontice mental (e vómitos) podia ser eu; ou melhor, posso vir a ser eu. Pensei nas minhas metástases cerebrais que ainda não me dão sintomas, pensei na mistura entre lucidez e tontice que ela demonstrava, no enorme respeito que teve comigo, porque ouvi-a dizer ao médico que estava chateada por ter o nariz entupido e me estar a incomodar com a sua respiração pesada. Não me vou esquecer tão depressa do seu olhar doce que contrastava com a dureza do enfermeiro, que se fartou de ralhar porque ela não se despachava a tomar banho nem a lavar os dentes... "Que bruto de merda", pensei eu. Como se ela tivesse a culpa de estar toda taralhouca, como se por isso merecesse menos respeito. Depois teve o dia todo sem visitas. Amanhã vou fazer o meu melhor para me arrastar até ao hospital e ver como é que ela está. Não quero que ela se sinta sozinha nos momentos de lucidez que tiver. é fodido esta transferência de nós para os outros, de quando nos deixamos tocar pelo sofrimento alheio já não nos conseguirmos abstrair. De certo modo, ela sou eu e eu sou ela.


Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2013

 

 

 

(a qualidade da foto não està das melhores, mas é mais ou menos isto. Depois tiro uma à luz do dia. São giras, a sério!)



Essere bello non è peccato.

 

 

[assim, em Italiano e tudo.]

 

 

 

(visto na Vanity Fair italiana a propósito do padre que é giraço...)



Eu sei que não tenho escrito muito, mas acontece-me sempre isto quando ando mais em baixo. Para além de ser Inverno e de a temperatura máxima aqui ser 1 mísero grau, também soube mesmo antes do Natal que tenho 4 (QUATRO) novas metástases no cérebro. Passado uns dias um amigo perguntou-me "Ah, mas o tratamento está a funcionar?", e eu pensei "deve estar parvo, acabei de lhe dizer que apareceram novas metástases e sai-se com esta?!" Claro que 2min depois mordi a língua, porque ele tem razão. A maior parte das quimioterapias não penetram a barreira hemato encefálica, portanto são ineficazes no que diz respeito a tumores no cérebro. O que não quer dizer que não possam estar a funcionar noutras partes do corpo. Portanto é uma noticia agridoce, que não ata nem desata. Basicamente não se percebe nada do que se está a passar comigo.

 

E no meio disto tudo foi a operação ao pé (está com bom aspecto, mas ainda não posso tomar banho -porquinha mood), uma contractura muscular nas costas há 1 mês e meio e outra no pescoço desde há uma semana. E isto deixou-me toda atravancada. Incapaz de me mexer sem dores. Se há coisa que me deixa possessa é acordar com dor, e sentir dores a toda a hora, todos os dias. Tenho os nervos em franja.

 

A juntar à festa, e esta foi a "pequena bomba" do final de 2012, tenho um novo médico. Pois é, o Dr Lambard foi-se embora. Mudou de hospital e de cidade. Este novo Dr Gonzalez também é giraço, tem uns grandes olhos azuis e sorriso malandro. Em 2011 tive uma pega com ele e deixámo-nos de nos falar por uns tempos, mas agora amansei e percebi que tenho que lhe dar uma oportunidade. Calçar os sapatos do Lambard não é fácil, eu não sou uma doente fácil (no sentido em que sou exigente), e portanto tenho que ir com calma. Tivemos a nossa primeira consulta "oficial" esta semana. Correu bem e fiquei admirada. Esperava pior. é bom quando se superam as expectativas.

 

E hoje o dia tinha tudo para correr mal mas acabou por correr bem: tinha consulta às 8h no hospital. Eu de manhã não existo para o mundo. Obvio que tive uma insónia, dormi 2h, levantei-me às 7h e lá fui para o hospital cheia de ramelas e de frio. Tratei do que tinha a tratar, ainda mamei um donuts, e depois como estava um dia de sol resolvi ser dondoca e fui às compras. Comprei um bocado por impulso, mas pensei, "fuck it, sempre quis ter umas calças amarelas torradas". E tornei-me uma fashionista por 11,99€. Depois vim a pé para casa, a apanhar sol na tromba, atravessei um parque, reparei que em pleno dia via a lua (?!), tentei abstrair-me das dores nas costas e nas pernas, fui comprar o almoço num traiteur italiano novo aqui ao pé de casa (caro como a porra, mil vezes o sushi!), e alapei-me em casa a comer durante 2h e a ver o The Biggest Loser. Pronto, e isto para mim foi um bom dia! :)

 

 

*não foi Chanel; eu é mais Pimkie.


Domingo, 06 de Janeiro de 2013

 

Só podia...

 

(às vezes sou tão previsível)

publicado por Silvina às 16:44

Sábado, 05 de Janeiro de 2013

E eu acatei, porque já me habituei a ela assim. Agora que o pé já está melhor são as costas que me roubam a restia de dignidade que me permitia começar 2013 a fingir que tinha 30 anos. No fundo tenho 70 bem conservados.

 

Entrei em 2013 como saí de 2012: lamechas, piegas e mal disposta do estômago. Sinto que são tempos de mudança, estes que vivo. Gosto do ano novo por isso, por ser novo, por permitir a mudança, por a trazer a reboque só porque muda a data. Por sentir que estas são sempre boas alturas para mudar, e mudar é bom, e poder decidir também. Este ano quero ser mais sincera, ocupar melhor os dias, ver a vida de forma menos utilitarista, separar os outros de mim e não lhes estender o meu nível de exigência (o que tenho comigo própria). Quero assumir quando gosto e porque gosto. Ter ainda menos medo. Mandar pro caralho o medo de falhar. Aceitar que há partes de mim que nunca estarão à altura, e outras que ultrapassarão as expectativas. Ter orgulho em mim mesmo que isso demonstre falta de modéstia. Continuar a esforçar-me para achar que mereço coisas boas, e que uma nesga de felicidade também está ao meu alcance.

 

Welcome 2013.

publicado por Silvina às 16:03
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Quinta-feira, 20 de Dezembro de 2012

Tudo o que é bom tem um fim. E hoje chegou ao fim parte do que é nosso. Cerimoniosamente pegaste-me na mão num aperto de mão sem fim, porque eu estava atenta ao tempo, ao mesmo tempo que sentia a tua pele suave na minha pele áspera e seca pelo erbitux. Depois abraçaste-me numa espécie de abraço contido e desajeitado. Não consegui fazer melhor do que balbuciar um "merci" que soube a pouco. E lembrei-me do que escrevi há 4 meses atrás, sobre o abraço: "(...) E penso num abraço imaginário, onde me envolves com os teus braços e com o teu cheiro, e eu ajeito-me nesse teu ninho de compreensão." E depois vim para casa, chorei baba e ranho, troquei mensagens com uma amiga, recebi o telefonema de outra, ouvi música, encomendei sashimi para o jantar, li um post que veio mesmo a calhar para o tópico, e vi um filme que me deixou ainda mais lamechas mas com um sorriso na cara e uma certeza: tudo o que é bom tem um fim, mas se calhar, outra coisa boa vai começar logo a seguir. E é isto...

publicado por Silvina às 22:22
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Sábado, 15 de Dezembro de 2012

imagem: Dois Desenhos a Conversar no Facebook

 



Ah! Se me deixassem

Realizar fantasias

Idealizar companhias

Transformar alegorias

 

Talvez me poupassem

De um futuro figurado

De um amanhã idealizado

De um final desafinado.

publicado por Silvina às 15:53
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