As rádios emitem em várias frequências. Estes episódios, contudo, situam-se numa frequência diferente, não uma de rádio, mas de radio. Como em Radioterapia. Episódios de um tratamento oncológico (à suivre)
Quinta-feira, 29 de Dezembro de 2011

O sol brilhou assim para mim:

 

 

 

E eu, lamechas, achei que devia apreciar o momento, raro, de soleil em pleno Dezembro parisiense. Parei, saquei do telefone e tirei esta foto. E às vezes olho para ela e penso que esta aberta é um bocado uma metáfora da minha vida. Numa rua de um bairro qualquer sem o glamour dos arrondissements conhecidos e nobilitados do centro da cidade, o chão molhado depois de uma valente chuvada, as árvores que rompem as nuvens e que nuas esperam que as folhas lhes regressem, e um sol que me explode na cara e que, aquecendo-me o pescoço, me relembra que é isto que significa estar ainda aqui, viva, a respirar. São estes os momentos que em alguns dias me bastam, e é difícil explicar porquê, mas a mim faz-me sentido, porque eu sinto profundamente estes episódios, e é isso que nos dias bons me alimenta o ser.

publicado por Silvina às 17:55

Quarta-feira, 28 de Dezembro de 2011

Tive um bom Natal. Não foi o que eu queria, mas foi o possível. E o possível já foi muito bom.

 

Continuo em período de cancer blues, fartinha dos efeitos secundários desta quarta radio, que by the way, já acabou! Agora arroto que nem um camionista consagrado, cada vez que engulo parece que tenho uma pedra atravessada na garganta, e de vez em quando começo numa tosse que não tem explicação. A parte boa é que continuo a ir à fisioterapia, meia hora todos os dias. Faço exercícios de respiração por causa do pulmão e exercícios de mobilização do pescoço e das costas, porque tenho uma contractura muscular desde há um ano que não passa. Tive que pedir ao Lambard uma credencial para poder continuar a ir à fisioterapia. "Todos os dias?!", pergunta-me ele. "Ele massaja-me as costas...", respondi eu. Ele riu-se e passou-me o papel para mais um mês de mimos quotidianos. E como eu sou uma gaja sortuda, claro que a minha fisioterapeuta é uma gaja super porreira, e que quando ela não está, é o seu colega giraço que me massaja este costado...

 

E agora um momento musical que me faz lembrar o Inverno brasileiro, e que me faz sorrir em dias frios como o de hoje:

 


Sexta-feira, 23 de Dezembro de 2011

À medida que os efeitos da radio se fazem sentir, desanimo um pouco mais. A radiação irrita-me o esófago, o que provoca dores e dificuldades a engolir e também refluxo acompanhado de vontade de vomitar. Eu só queria conseguir alarvar as iguarias natalícias e não ter que tomar comprimidos e controlar o vomito. Mas ao mesmo tempo penso no Natal passado, onde tive que beber batido de arroz doce e comer sopa toda passada porque não entrava cá mais nada. Lá está, podemos sempre estar pior. Não é que isso me traga um grande consolo, porque o universo continua a gozar à grande com a minha cara.

 

Ontem de manhã vi o Lambard, que me descobriu mais um gânglio no pescoço. Saí da consulta e fui abananada enfiar-me num bloco operatório para pôr um cateter. Correu tudo bem, mas passei o dia todo com vontade de chorar, com vontade de mandar tudo à merda e eclipsar-me deste meu modo de vida. Continuo assim, frágil e forte, em alternância nómada entre as minhas duas metades.


Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2011

Envia-me um e-mail para falarmos! :)

 

episodiosderadio[at]sapo[.]pt

publicado por Silvina às 20:52

Terça-feira, 20 de Dezembro de 2011

A sala está cada vez mais composta. Não sei se é por ser Natal, mas apercebo-me que aparece mais gente acompanhada. E isso mitiga-me a solidão que por vezes se instala, isso e a árvore de Natal colorida e foleira que montaram na sala de espera.
Todos os dias chego atrasada, mas todos os dias eles (=o serviço) estão ainda mais atrasados do que eu.
Hoje estão aqui dois rapazes da minha idade ou mais novos que partilham a espera, pois só um deles está doente. Lembram-me tempos idos, e tenho vontade de perguntar o que fazem aqui, mas mais uma vez não digo nada. Apesar da árvore, e da época natalícia a combinar, esta sala de espera não é para convívios...

publicado por Silvina às 20:48

Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2011

Hoje. Sala de espera do Lambard.

 

De repente aparecem 2 velhotes seguramente meio loucos, um deles quase careca e o outro com a esposa. O quase careca treme muito, o Lambard vai-lhe buscar um xanax e ele toma-o logo com sofreguidão à minha frente. Continua a tremer e a mexer em muitos papéis, eu tento ajudá-lo na sua organização caótica e digo-lhe como fazer para chamar o táxi e que papéis tem que entregar ao taxista. Ele sossega mais um bocadinho, mas não muito. A psicóloga vai-lhe fazer fotocópias da papelada para o táxi e depois leva-o para o seu gabinete. Fico sempre egoisticamente aliviada quando vejo gente pior do que eu. Mas este senhor careca fez-me rir cá dentro, e espero mesmo que ele se sinta melhor em breve. O outro senhor entrou com a esposa no gabinete do Lambard. Nesse momento a psicóloga diz-lhe "Lambard, tu prends Silvina après?" Ele sorri com ar malandro e diz que sim. É que em francês, prendre quelqu'un tem um segundo sentido, de natureza erótico-sexual... Eu esboço um sorriso bem coradinho e digo "Eu espero. Até já..."

publicado por Silvina às 15:02

Sexta-feira, 09 de Dezembro de 2011

A arte da fuga para a frente é algo que a mim não me assiste.

 

 

 

[inspirada pelo Hélio]

publicado por Silvina às 17:03


Não sei se é a minha força que os desconcentra, que os destabiliza. E o aconteceria se eu precisasse mais? Se eu fosse mais carente, mais duvidosa de espírito, menos aguerrida e mais adocicada? Seria mais fácil para os outros me ajudarem, sentido-se úteis e menos impotentes (apesar de não poderem resolver o problema, metiam a mão na massa).


Mas o que me aconteceria, a mim, que sustento a minha luta no movimento constante, que centralizo a minha força para controlar o que ainda é controlável, que me construo enquanto guerreira contra a adversidade, seja ela cancro ou outra qualquer? O que me aconteceria, se me enchesse de sentimentos de culpa, mentisse a mim própria, mascarando esta realidade que sinto, que é a minha? O que me aconteceria se não tivesse a coragem de, lutando contra um cancro, dizer o que penso, o que sinto, o que preciso?


(Farta deste mundo que julga à distância, que enfia sapatos imaginários que nem sequer são o seu numero, que cala e foge como se a maldade, a doença e a morte não existissem.)


Mantenham os silêncios enterrados, porque enquanto eu tiver voz hei-de os quebrar.

publicado por Silvina às 16:57


O que se segue é um pormenor nada abonatório da minha vida de gaja ethno-chique parisiense: tenho feridas no nariz. Por dentro, mesmo junto à abertura do nariz, sobretudo do lado esquerdo, e consequentemente tenho a ponta do nariz bem vermelha a fazer lembrar a rena pirosa do pai natal, uma bicha chamada Rudolfo. Merde alors.

publicado por Silvina às 16:56


Não sei se estar na sala de espera para a consulta semanal com o Dr Lambard a ouvir o "Just want to make love to you" da Etta James é muito boa ideia...

publicado por Silvina às 14:58


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